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A Revogação da Norma 004/95: A ANATEL Contribui para o Aumento da Insegurança Jurídica no País

By 10 de abril de 2025abril 11th, 2025No Comments


Recentemente, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, por meio de seu Conselho Diretor, aprovou por unanimidade, a partir do ano de 2027, a substituição da Norma 004/95, aprovada pela Portaria nº 148, de 31 de maio de 1995 (da lavra do Ministério das Comunicações), como parte do processo de simplificação da regulamentação dos serviços de telecomunicações.

A esse respeito, cumpre primeiramente abordar um aspecto de suma importância: possui a ANATEL competência para revogar ou substituir uma portaria do Ministério das Comunicações?

A ANATEL, para sustentar sua competência sobre o tema, alega que o Artigo 214 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/97 – “LGT”) estabelece a legitimidade da Agência para criar normas visando a substituição de regulamentos, normas e regras que se encontravam em vigor antes da edição da LGT (do ano de 1997).

Apesar da Norma 004/95 ser anterior à LGT, cumpre abordar um aspecto fundamental: esta norma, aprovada pela Portaria 148/95, não discorre sobre serviços de telecomunicações, não sendo, portanto, uma norma que pudesse ser eliminada pela ANATEL, já que esta é uma Agência que foi constituída institucionalmente para regular o funcionamento dos serviços de telecomunicações no Brasil.

A Norma 004/95 versa sobre os serviços de valor adicionado, espécie de serviços que a própria LGT, em seu Artigo 61, §1º, esclarece não constituir espécie dos serviços de telecomunicações.

Logo, como consequência lógica, entendo particularmente que a ANATEL não possui competência para revogar ou substituir uma norma, de outro Ente da Federação, que não versa sobre serviços de telecomunicações, mas sim sobre serviços de valor adicionado.

O principal argumento usado pela ANATEL para justificar a extinção do SCI, é que, em função da convergência tecnológica, a distinção técnica entre SCI e SCM não se justifica mais, e que esse tipo de separação de serviços estava sendo utilizada tão somente para justificar uma redução de tributos, principalmente a título de ICMS.

Nesse ponto, de fato, o SCI foi utilizado historicamente como uma alternativa de planejamento tributário, até mesmo porque, mesmo na tecnologia atual (banda larga), é perfeitamente possível se sustentar, tanto tecnicamente, quanto juridicamente, que quando um assinante contrata um plano de internet, ele contrata necessariamente 02 (dois) serviços distintos, mas complementares:

  • os serviços de telecomunicações, que consiste na administração do enlace de telecomunicações necessário a interligar o assinante ao PSCI (ponto-a-ponto); e
  • os serviços de conexão à internet, espécie de serviços de valor adicionado, que acrescenta a esse enlace de telecomunicações novas utilidades, como autenticação, atribuição de endereço IP e roteamento de tráfego, que, em conjunto, possibilitam que o assinante seja reconhecido e possa navegar na rede mundial de computadores.

Inclusive, essa separação entre serviços de conexão à internet versus serviços de telecomunicações, como prevista na Norma 004/95, é muito maior que uma simples estratégia tributária (ao contrário do que aponta erroneamente a ANATEL). O objetivo primário da referida Norma foi estabelecer no Brasil uma separação conceitual e funcional entre o serviço de conexão à internet e o serviço de telecomunicações que lhe dá suporte.

E foi exatamente diante dessa separação conceitual e funcional que se estruturou no Brasil todo o sistema de governança da internet que, a nosso ver, com a revogação da Norma 004/95, passa a suportar, a partir de 2027, um cenário de extrema insegurança jurídica.

Uma entidade que certamente poderá ter parte de suas atribuições “usurpadas” pela ANATEL, a partir do fim da distinção técnica e conceitual entre SCI e serviço de telecomunicações, é o Comitê Gestor da Internet (CGI), que nos termos da Resolução CGI.br/RES/2009/003/P, sempre pautou sua atuação nos seguintes princípios aplicáveis à governança e uso da Internet no Brasil: inovação, universalidade, diversidade, liberdade, privacidade, neutralidade da rede, inimputabilidade da rede, entre outros.

Certamente, a partir de 2027, um temor virá à tona: terá a ANATEL a audácia de propor medidas visando a regulação da internet, interferindo na atuação longeva do CGI, sempre pautada na necessidade de se continuar expandindo o acesso à Internet no Brasil, de forma democrática, inclusiva e sustentável?

Há também um risco real que, a partir de 2027, com a revogação da Norma 004/95, as atividades relacionadas ao registro de domínios e distribuição dos blocos IP sejam também diretamente afetadas pela interferência, indevida, da ANATEL. Tais atividades são hoje operacionalizadas há anos, com sucesso, pelo CGI e NIC.br.

Inclusive, confirmando esse risco real de interferência da ANATEL na governança da internet, importante trazer à colação o que prevê o Projeto de Lei (Federal) nº 4.557/2024, cuja ementa prevê alterações relevantes na LGT, na Lei 12.527/11 e na Lei nº 14.133/21, “para reorganizar a governança da Internet no Brasil, fortalecer a supervisão e regulamentação das atividades de registro e manutenção de domínios, e assegurar a transparência e eficiência na gestão da Internet”.

E como parte do processo de “reorganização da governança da internet no Brasil”, nota-se no texto legal que está sendo atribuído à ANATEL, como órgão regulador, os seguintes “poderes” (entre outros previstos no texto do referido projeto de Lei):

  • estabelecer o modelo de governança da Internet no Brasil;
  • supervisionar as atividades do comitê gestor da Internet no Brasil’
  • estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil;

Ou seja, a ANATEL, caso aprovado pelo Congresso Nacional o referido Projeto de Lei, não será tão somente o órgão regulador dos serviços de telecomunicações no Brasil, mas também o órgão regulador da própria internet, alterando-se bruscamente o sistema de governança da internet vigente no País.

Tudo isso demonstra, na minha singela opinião, que a ANATEL se utilizou de uma “cortina de fumaça” para justificar a revogação da Norma 004/95, eis que a eliminação da referida norma não teve por objetivo apenas a adequação de supostas distorções tributárias, mas sobretudo para permitir à ANATEL, em um futuro próximo, regular diretamente a internet no Brasil.

Fato é que, independentemente da substituição da Norma 004/95, a referida Norma não criou os serviços de conexão à internet no Brasil. Ela reconheceu a existência de um serviço já existente e, no mesmo instrumento, o classificou como uma espécie de serviços de valor adicionado, bem como regulou o relacionamento entre os provedores (PSCI) e as empresas de telecomunicações.

Entendo, nesse particular, que a revogação da Norma 004/95 não altera a natureza dos serviços de conexão à internet.

Tecnicamente, mesmo na tecnologia atual (banda larga), é perfeitamente possível demonstrar que o SCI acrescenta ao serviço de telecomunicações preexistente, que lhe dá suporte, novas utilidades relacionadas à autenticação, roteamento e atribuição de endereçamento IP.

Não há como negar a natureza do Serviço de Conexão à Internet.

O serviço de conexão à internet não apresenta os elementos minimamente necessários para serem considerados como uma espécie dos serviços de telecomunicações (emissor; meio de transmissão; e receptor), eis que, na verdade, depende de um serviço de telecomunicações preexistente para existir.

Na minha visão, as características dos serviços de conexão à internet, mesmo com a revogação da Norma 004/95, são bastantes e suficientes para sustentar sua distinção em relação aos serviços de telecomunicações, bem como seu enquadramento como um típico serviço de valor adicionado, devidamente conceituado na Lei Geral de Telecomunicações.

Aliás, nesse aspecto, a Lei Geral de Telecomunicações apenas conceitua um Serviço de Valor Adicionado. A referida Lei não elenca de forma exaustiva as espécies de Serviços de Valor Adicionado, nem tampouco atribui à ANATEL ou a qualquer outro órgão a incumbência de elencar as espécies de Serviços de Valor Adicionado.

Não cabe à ANATEL, ao Ministério das Comunicações ou qualquer outro órgão dizer qual tipo de serviço consiste em um Serviço de Valor Adicionado.

Como apontado acima, se um determinado serviço “acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações (Art. 61, caput, da LGT)”, este serviço assume tecnicamente as características de um Serviço de Valor Adicionado, sendo enquadrado como tal.

Portanto, a nosso ver, a revogação da Norma 004/95 não desconstitui o Serviço de Conexão à internet, nem tampouco altera sua natureza. Mas, obviamente, tal revogação cria um cenário de incerteza e insegurança jurídica, na medida em que elimina do ordenamento jurídico um importante sustentáculo utilizado historicamente para demonstrar a natureza dos serviços de conexão à internet.

A revogação da Norma 004/95 certamente será utilizada pelos Fiscos Estaduais para sustentar o fim do SCI e a tributação integral do plano de internet a título de ICMS (e até mesmo a revisão da Súmula 334 do STJ), acentuando a insegurança tributária do segmento. Sem contar a insegurança regulatória que poderá gerar a partir da interferência indevida da ANATEL na governança da internet.

Cenas dos próximos capítulos.

Paulo Henrique da Silva Vitor
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio Fundador da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados Associados