Skip to main content
Artigos

QUANDO A LEI NÃO BASTA

By 17 de janeiro de 2020fevereiro 5th, 2025No Comments

A lei sozinha não garante o fim dos desvios“. Tal frase fora pronunciada no final do ano de 2016, pelo subprocurador-geral da República Nicolao Dino, em reportagens veiculadas em diversos meios de comunicações[1], quando o jurista, que à época ocupava o cargo de vice-procurador-geral eleitoral, se referiu ao Projeto de lei 4850/2016, que estabelece medidas anticorrupção no Brasil.

Após dois anos, parafraseamos o jurista brasileiro para delinear o cenário atual em que a Lei 13.116/2015, também conhecida como Lei de Antenas está inserida, bem como os estorvos percebidos por diversos prestadores de serviços de telecomunicações, em diversos locais do país.

Desde a promulgação da Lei de Antenas 13.116/2015 há uma confusão conceitual aparentemente interminável oriunda de diversos entes, órgãos, autarquias e até empresas concessionárias que administram Rodovias, no que tange a distinção entre “compartilhamento de infraestrutura”, ou seja, “compartilhamento dos pontos de fixação nos postes” defronte à “utilização das faixas de domínio”, eis que são institutos totalmente distintos e com regras próprias.

Em artigo já publicado[2] pelo Advogado, Consultor jurídico e Sócio da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Advogados Associados, restou delineada a amplitude desta distinção, bem como sua importância eis que:

“O “compartilhamento dos pontos de fixação nos postes” é a cessão de espaços excedentes nos postes das Concessionárias de Energia Elétrica para que seja feito o lançamento de cabos pelas Prestadoras dos Serviços de Telecomunicações. Geralmente tal espaço corresponde a 6,5 cm (dependendo da norma técnica da Concessionária de Energia Elétrica). E, para tanto, a Prestadora dos Serviços de Telecomunicações paga para a Concessionária de Energia Elétrica o valor referente a utilização de cada um dos pontos de fixação nos postes. Este compartilhamento foi previsto inicialmente no art. 73 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), e depois no art. 14, da Lei Geral de Antenas (Lei 13.116/2015).
(…)
A “utilização das faixas de domínio” é um exercício do direito de passagem. O conceito de direito de passagem, neste tocante, encontra-se previsto na própria Lei Geral de Antenas (Lei 13.116/2015): “prerrogativa de acessar, utilizar, atravessar, cruzar, transpor e percorrer imóvel de propriedade alheia, com o objetivo de construir, instalar, alterar ou reparar infraestrutura de suporte, bem como cabos, sistemas, equipamentos ou quaisquer outros recursos ou elementos de redes de telecomunicações” (art. 3º, IV). E, de acordo com a referida Lei Geral das Antenas (art. 12) “não será exigida contraprestação em razão do direito de passagem em vias públicas, em faixas de domínio e em outros bens públicos de uso comum do povo (…), excetuadas aquelas cujos contratos decorram de licitações anteriores à data de promulgação desta Lei.”

Ressalta-se que tal distinção destes relevantes institutos, bem como a importância de sua delimitação, não fora obra de escritórios de advocacia, interpretações extensivas de juristas, tampouco criação de advogados atuantes no setor de Telecomunicações, mas sim trata-se de distinção expressa e prevista na Lei 13.116/2015 – promulgada em 20 de abril de 2015.

A promulgação da citada Lei de Antenas, fora fruto do já consolidado entendimento de todos os Tribunais Pátrios, com o fito de desburocratizar a atividade empresarial das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de pequeno porte, que sempre padeceram frente ao monopólio das grandes empresas, bem como frente as inúmeras e intangíveis exigências perpetradas pelos órgãos (DER, DNIT), entes (estados, municípios), bem como empresas concessionárias responsáveis pelas rodovias, ferrovias, etc.

Assim, a Lei 13.116/2015 surgiu para harmonizar e facilitar os procedimentos de licenciamento para implantação de infraestrutura de telecomunicações, conforme bem assevera o Diretor de banda larga do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações Artur Coimbra, em diversas de suas declarações[3].

Não obstante isso, muito embora tenham se passado 4 anos da promulgação da Lei de Antenas, centenas de empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de pequeno porte, se mantém sob o jugo destes órgãos, entes, concessionárias, eis que, caso descumpram as exigências impostas, inclusive com relação aos pagamentos exigidos, verão suas atividades totalmente interrompidas, bem como serão alvo de autuações, multas em valores exorbitantes, o que, com o tempo, inviabilizaria por completo suas atividades.

Dessa forma, muito embora tenha a Lei de Antenas surgido prevendo a desnecessidade de realizar a contratação de “uso e faixa de domínio” em casos de mero “compartilhamento de infraestrutura” da Concessionária de Energia Elétrica, bem como  tenha constado de forma clara e expressa a gratuidade inerente a esta atividade, esta não é a realidade vivenciada pelas empresas do setor, tendo em vista que, ao lançarem suas fibras e cabeamentos nos postes das Concessionárias de Energia Elétrica, as empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações são vítimas de atitudes arbitrárias e ilegais perpetradas pelos responsáveis pelas rodovias e ferrovias (órgãos, entes ou empresas concessionárias).

Assim, tais atitudes culminam na obrigação das empresas de telecomunicações apresentarem seus projetos para órgãos como DER, DNIT ou para as concessionárias, visando obter aprovação do compartilhamento de infraestrutura, com a consequente celebração de um absurdo termo de uso e ocupação de faixa de domínio, muito embora sejam casos que não há que se falar de ocorrência de uso de faixa de domínio pela empresa.

Não bastante, tais empresas ainda são reféns de recolhimento de absurdas taxas para análise de seus projetos (projetos estes já analisados e aprovados pela Concessionária de Energia Elétrica), bem como são obrigadas a realizar pagamentos de anuidades para terem sua fibras compartilhadas nos postes das concessionárias de energia elétrica, o que dia após dia inviabiliza a vida financeira dessas empresas, impedindo o crescimento e expansão de seus serviços, ante aos altos e ilegais valores impostos.

Ou seja, nestes casos, tantos os órgãos, quanto os entes, quanto as empresas concessionarias responsáveis pelas rodovias, estão literalmente realizando cobranças relativas a sombra dos postes, eis que somente a sombra das fibras destas empresas é que toca o solo das faixas de domínio, sob responsabilidade das citadas pessoas jurídicas, não havendo qualquer implantação de infraestrutura de suporte (postes) próprios destes prestadores de serviços de telecomunicações.

Cumpre reiterar que, nos casos de compartilhamento de infraestrutura, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações já possuem o contrato de compartilhamento devidamente celebrado com a concessionária de energia elétrica, conforme determina a legislação, não havendo qualquer previsão legal de nova contratação.

Na mesma linha, não obstante a Lei 13.116/2015 ter previsto expressamente que, a implantação de infraestrutura de suporte (postes) própria das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, ensejem a efetiva contratação de “uso e ocupação de faixas de domínio”, com a pessoa jurídica responsável pelas faixas de domínio, tal contratação deve ser gratuita, sendo que a única exceção é para os casos de concessões realizadas antes da promulgação da Lei 13.116/2015. Porém, está também não é a realidade vivenciada pelos pequenos prestadores de serviços de telecomunicações de todo Brasil.

Conforme citado, tal realidade não é a vivenciada, eis que muito embora devessem estar devidamente amparada e protegidas pelo arcabouço legal definido na Lei de Antenas, encontram-se até os tempos atuais desamparadas e expostas a todas ilegalidades e irregularidades perpetradas pelos órgãos (DER, DNIT), entes (estados, municípios), bem como pelas empresas concessionárias responsáveis pelas rodovias. Da mesma forma, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações são insistentemente cobradas pelo uso e ocupação das faixas de domínio, muito embora haja expressa previsão legal quanto a gratuidade.

Diversas formas de tentar dirimir as ilegalidades e irregularidades perpetradas por esses órgãos, entes e concessionarias são incessantemente estudadas pelo MCTIC (Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações), porém, nem as decisões judiciais proferidas em todo Brasil estão sendo suficientes para garantir a efetividade e aplicabilidade da Lei de Antenas e proteger os direitos das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de pequeno porte.

Órgãos como o DNIT e DER através de sua influência nas Assembleias Legislativas publicam Leis Estaduais (flagrantemente inconstitucionais), súmulas internas, regras e ditames próprios em total disparate ao que prevê a legislação federal, que em seu artigo quarto[4] é expressa ao determinar que a regulamentação e a fiscalização de aspectos técnicos das redes e dos serviços de telecomunicações é competência exclusiva da União.

Conforme restou elucidado no mencionado artigo[5] do Dr. Alan Silva Faria, publicado em 26 de setembro de 2018, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), expediu no ano de 2018, uma Nota Técnica[6] acerca da Lei 13.116/2015, esmiuçando a distinção entre o “compartilhamento de infraestrutura” e o “uso e ocupação de faixa de domínio”, na constante tentativa de ver aplicada e respeitada a Lei de antenas no mercado de telecomunicações.

Porém, todas as imposições arbitrarias, ilegais e irregulares foram mantidas e continuam sendo perpetradas, impulsionando assim, a expedição de nova Nota Técnica[7], em agosto de 2019, ratificando a impossibilidade de condicionar tal compartilhamento a contratação prévia de uso de faixa de domínio, bem como a gratuidade relativa ao uso das faixas de domínio. Relevante frisarmos um trecho:

“Aparentemente, as exigências de “contratação prévia do direito de passagem” por parte de entes como DER, DNIT ou Concessionárias, ou mesmo pelas detentoras de infraestrutura de suporte, para a utilização dessa infraestrutura, decorrem da confusão existente entre os conceitos de “direito de passagem”, que é gratuito, e “compartilhamento de infraestrutura de suporte”, que é oneroso. (…) Do mesmo modo que o órgão competente para autorizar o direito de passagem não pode cobrar das empresas pelo compartilhamento, conforme retromencionado, não parece coerente com a Lei Geral de Antenas os detentores condicionarem a aprovação do compartilhamento de infraestrutura à prévia contratação do direito de passagem pelas faixas de domínio, pois, além de não possuírem competência para tal, trata-se de exigência desnecessária, tendo em vista que a autorização para o direito de passagem dá-se gratuitamente em face do detentor da infraestrutura de suporte, preliminarmente à instalação da infraestrutura. Como o direito de passagem refere-se à permissão gratuita para o uso da superfície ou do espaço subterrâneo de imóvel de propriedade alheia, apenas a autorização obtida pelo detentor parece ser suficiente, não necessitando ser renovada por cada prestadora que pretender realizar o compartilhamento da infraestrutura e, menos ainda, de forma onerosa.”

As citadas Notas Técnicas serviram como sustentáculo na obtenção de dezenas de decisões favoráveis nos Tribunais brasileiros, na medida em que os juristas estão reconhecendo a distinção dos institutos de “compartilhamento de infraestrutura” e “uso e ocupação de faixa de domínio”, bem como reconhecendo a confusão proposital estabelecida pelos responsáveis pelas faixas de domínio. Vejamos recente decisão da 11ª Vara Federal de Curitiba:

“III – EM CONCLUSÃO 3.1. JULGO PROCEDENTE a pretensão deduzida na inicial, com força no art. 487, I, CPC, e RATIFICO a antecipação de tutela de evento 19, a fim de CONDENAR o DNIT a se abster de condicionar o lançamento de cabos e fibras em infraestruturas em faixas de domínio à prévia celebração de contrato e pagamento de contraprestações. Logo, DECLARO a gratuidade da utilização, pela autora, de faixa de domínio, detida pelo DNIT, mesmo quando situada em áreas rurais. CONDENO o requerido a promover o pagamento, em favor da autora, de eventuais valores por ela pagos a título de contraprestação pelo referido uso, observado o prazo de prescrição quinquenal, contada retroativamente da data de ingresso da autora em juízo. (PROCEDIMENTO COMUM Nº 5047242-37.2018.4.04.7000/PR – 11ª Vara Federal de Curitiba – Data e Hora: 10/12/2019)”

Ocorre que mesmo após a promulgação da Lei de 13.116/2015 em 20 de abril de 2015, após a expedição das Notas Técnicas em 2018 e 2019 pelo próprio Ministério, bem como muito embora existam dezenas decisões judiciais que garantem a efetividade da citada Lei, o descumprimento se mantém, bem como as imposições arbitrárias e ilegais dos órgãos, entes e concessionárias que administram as rodovias, ferrovias, etc.

Sem alternativas para dar efetividade a Lei de Antenas, estando as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações contando somente com o entendimento do judiciário, para tutelar seus direitos (muito embora já expressos na legislação brasileira), o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações está trabalhando de forma continua e incisiva para, em 2020, publicar um decreto que irá regulamentar a Lei de Antenas, visando dirimir essas questões que, muito embora sejam incontroversas e claras na legislação brasileira, são inobservadas e alvo de constante transgressão por aqueles que detém a responsabilidade pelas rodovias e ferrovias do país.

Portanto, iniciamos o ano de 2020 na expectativa de que este decreto que regulamentará a Lei de Antenas seja publicado o mais breve, a fim de dar efetividade a legislação federal, eis que mesmo munidos do texto legal (13.116/2015), das Notas Técnicas expedidas pelo MCTIC, bem como diante de inúmeras decisões de todos os tribunais de todo país, nada disto tem impedido o fim dos desvios.

Assim, estando as empresas de pequeno porte do setor de telecomunicações imersas neste antro de ilegalidade, espera-se que esta regulamentação venha iça-las e permitir o crescimento e expansão do Setor de Telecomunicações, tendo em vista prestarem serviços extremamente essenciais e indispensáveis ao desenvolvimento social e econômico do país.

Gabriele Cristina Oliveira Arthuso Lima
Advogada da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados
gabriele@silvavitor.com.br 

 

[1] Ex: https://www.terra.com.br/noticias/brasil/sem-vigilancia-da-sociedade-lei-nao-basta-para-combater-corrupcao,b 364598ba9ba8e42433825668de7e84al7lzfgzn.html. Acesso em: 28.10.2019

[2]  Faria, Alan Silva. A Diferença entre o “Compartilhamento dos pontos de fixação nos postes” e a “Utilização das faixas de domínio”. Revista ISPMAIS – Disponível em: https://www.ispblog.com.br/2018/09/26/a-diferenca-entre-o-compartilhamento-dos-pontos-de-fixacao-nos-postes-e-a-utilizacao-das-faixas-de-dominio/

[3]  http://www.eventos.momentoeditorial.com.br/wp-content/uploads/2016/02/Artur-Coimbra.pdf

   https://site.redetelesul.com.br/noticia/88

[4] Art. 4º A aplicação das disposições desta Lei rege-se pelos seguintes pressupostos: (…) II – a regulamentação e a fiscalização de aspectos técnicos das redes e dos serviços de telecomunicações é competência exclusiva da União, sendo vedado aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal impor condicionamentos que possam afetar a seleção de tecnologia, a topologia das redes e a qualidade dos serviços prestados;

[5]  Faria, Alan Silva. A Diferença entre o “Compartilhamento dos pontos de fixação nos postes” e a “Utilização das faixas de domínio”. Revista ISPMAIS – Disponível em: https://www.ispblog.com.br/2018/09/26/a-diferenca-entre-o-compartilhamento-dos-pontos-de-fixacao-nos-postes-e-a-utilizacao-das-faixas-de-dominio/

[6] Nota Técnica Nº 5512/2018/SEI-MCTIC.

[7] Nota Técnica Nº 6861/2019/SEI-MCTIC.