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O DIREITO AO CANCELAMENTO SEM ÔNUS DOS “LINKS DE INTERNET” EM CASO DE FALHAS NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS

By 22 de novembro de 2019fevereiro 5th, 2025No Comments

Sabe-se que os provedores de acesso à internet, sobretudo os de pequeno porte, comumente denominados provedores regionais, ocupam um lugar de destaque na ampliação do uso da internet no Brasil, propiciando a inclusão digital da população nas mais variadas localidades do país.

E para disponibilizar as conexões de internet a seus clientes, esses provedores contratam perante as grandes operadoras de telecomunicações, ou operadoras de atacado, os popularmente conhecidos como links de internet”, que constituem a capacidade de transmissão, emissão e recepção de dados entre computadores na rede mundial (internet).

Sendo que as grandes operadoras de telecomunicações ou operadoras de atacado, em sua maioria, usualmente classificam os links de internet como espécie dos “serviços de comunicação multimídia”, conhecidos sob a sigla “SCM”.

Os serviços SCM são regulados, sobretudo, por legislação especial editada pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, mormente o Regulamento de Serviços de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução ANATEL nº. 614/2013 e, ainda, o Regulamento Geral de Direitos dos Consumidores dos Serviços de Telecomunicações – RGC, aprovado pela Resolução ANATEL nº. 632/2014, sendo que ambos autorizam a contratação do serviço SCM, com prazo de permanência mínima (fidelidade) e previsão de cobrança de multa em caso de rescisão antecipada do contrato, desde que observado o disposto na referida regulamentação.

Ocorre que sob o pretexto de aplicar a regulamentação SCM, as empresas prestadoras desse tipo de serviço, quando da sua contratação, via de regra, submetem o provedor contratante a termos contratuais com previsão de extensos prazos de vigência (período de fidelidade) e previsão de cobranças exorbitantes a título de multa e aviso prévio, para o caso de rescisão contratual antecipada. Por sua vez, o provedor, necessitando dos links de internet para disponibilizar as conexões aos seus clientes, anui com tal contratação, assumindo a partir daí a obrigação de manter ativo o contrato SCM firmado, no mínimo, até o fim do prazo de vigência, sob pena de assunção de elevados ônus previstos no contrato.

Apesar disso, é muito comum a ocorrência de problemas na prestação dos serviços, ou seja, é muito usual a ocorrência falhas, degradações e interrupções dos links de internet, inclusive, com o não cumprimento da garantia de disponibilidade mínima mensal do serviço, geralmente prevista no instrumento contratual, por intermédio do intitulado Acordo de Nível de Serviço ou SLA (Service Level Agreement).

Situação que interfere na própria prestação dos serviços dos provedores de acesso à internet aos seus clientes finais (assinantes), ensejando extremos desgastes na relação cliente-provedor, e sobretudo, mácula da imagem do provedor perante o mercado de internet.

E nesse cenário de falhas e/ou descumprimento do nível SLA, o provedor se vê, geralmente, em uma encruzilhada, visto que apesar de receber uma má prestação dos serviços, em razão das condições contratuais pactuadas, não rescinde o contrato antes do término do seu prazo, por não querer suportar altas cobranças a título de multa/aviso prévio.

Todavia, é necessário esclarecer que a prestação defeituosa de serviços, sobretudo se reiterada, configura descumprimento contratual, o qual, por força de lei, autoriza a rescisão contratual imediata e sem ônus, ou seja, independentemente do período de fidelidade, e sem a cobrança de multa rescisória, aviso prévio ou qualquer outra penalidade.

É o que se extraí do Artigo 475 do Código Civil:

“Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.” (g.n.).

E no mesmo sentido, dispõe a regulamentação específica do SCM editada pela ANATEL:

“Art. 57 (…) § 2º. No caso de desistência dos benefícios por parte do Assinante antes do prazo final estabelecido no instrumento contratual, pode existir multa de rescisão, justa e razoável, devendo ser proporcional ao tempo restante para o término desse prazo final, bem como ao valor do benefício oferecido, salvo se a desistência for solicitada em razão de descumprimento de obrigação contratual ou legal por parte da Prestadora, cabendo a esta o ônus da prova da não procedência do alegado pelo Assinante.” (g.n.). Regulamento SCM – Resolução ANATEL nº. 614/2013.

 “Art. 56. (…) Parágrafo único. Se o pedido de rescisão do Consumidor, antes do término do prazo previsto no Contrato de Permanência, decorrer de descumprimento de obrigação legal ou contratual da Prestadora com relação a qualquer um dos serviços da Oferta Conjunta de Serviços de Telecomunicações, deve ser garantida ao Consumidor a rescisão de todo o Contrato de Prestação do Serviço, sem multa, cabendo à Prestadora o ônus da prova da não-procedência do alegado.” (g.n.) RGC – Resolução da ANATEL nº. 632/2014.

Destaca-se que a simples quebra do nível de acordo SLA, ou seja, ausência de disponibilidade do serviço no índice assegurado no contrato, já configura causa autorizativa da rescisão contratual sem ônus, por força dos dispositivos legais acima citados.

Como exemplo, cita-se decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em caso patrocinado pela Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados, que reconheceu o direito do provedor regional à rescisão do Contrato SCM sem ônus, mesmo estando em curso o período de fidelidade, haja vista a indisponibilidade do serviço no período de 24 (vinte e quatro) horas, mas, já bastante e suficiente para infringir o nível SLA contratualmente previsto:

 “Apelação – Contrato de prestação de serviços de comunicação multimídia – Ação declaratória c.c. indenizatória – Sentença de parcial acolhimento do pedido, rejeitado o pleito de indenização por dano moral – Irresignação improcedente. (…). 2. Rescisão contratual por culpa da contratada – Incontroversa a alegação da autora, contratante, no sentido de que a indisponibilidade dos serviços perdurou por 24 horas – Contrato contendo cláusula expressa de garantia da manutenção da disponibilidade dos serviços por 99,5% do tempo, em cada mês, correspondendo a apenas 3,6 horas/mês de indisponibilidade – Inadimplemento da ré, demonstrado pelo quadro de provas dos autos, justificando a rescisão contratual, por culpa dela, ré, a afastar a exigibilidade da multa contratual. (…) Dispositivo: Conheceram apenas em parte do recurso e, nessa parte, lhe negaram provimento.” (Apelação Cível nº. 1000145-61.2018.8.26.0114; Desemb. Relator (a): Ricardo Pessoa de Mello Belli; Órgão Julgador: 19ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 06/12/2018). (g.n.).

Logo, desta breve exposição, pode-se concluir que por força da legislação e entendimento do Poder Judiciário, é direito do provedor de acesso à internet a rescisão imediata e sem ônus do link de internet, ainda que no curso do período fidelidade, quando o serviço SCM é prestado de forma defeituosa, ou quando há uma simples quebra do nível SLA, ou em outros termos, não disponibilização do serviço no índice minimamente assegurado no contrato.

Contudo, na prática, mesmo quando há rescisão contratual antecipada, justificada na prestação defeituosa dos serviços, as grandes operadoras ou operadoras de atacado, constantemente, praticam cobranças de multa e/ou aviso prévio, as quais, como visto, mostram-se notoriamente ilegais.

Portanto, em casos de cobranças nessas situações, é essencial que o provedor de acesso à internet adote uma postura ativa, buscando, seja por vias administrativas junto às prestadoras, seja através de competente ação judicial, a proteção de seus direitos previstos em Lei.

 

Katia Leandra dos Santos
Advogada e Consultora da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados
katia@silvavitor.com.br