Após fixar precedente de que o imposto municipal só poderia ser cobrado na transferência de imóvel, a Corte admite rever a questão, mas a nova apreciação deve se limitar à hipótese de cessão de direitos de aquisição.
Em fevereiro de 2021 o STF julgou, em repercussão geral (tema 1124), o ARE 1294969/SP, no qual discute-se a incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na cessão de direitos de compra e venda, ou seja, quando firmada a promessa de compra venda, antes do efetivo registro da transferência imobiliária. Na oportunidade, a Corte reafirmou a jurisprudência dominante e fixou a tese de que “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro.”
A Decisão era aguardada pela comunidade jurídica e representava uma vitória dos contribuintes, pois encerraria a discussão sobre o tema, que por muitos anos ressonou pelos tribunais do país. O entendimento fixado acolheu a tese dos contribuintes de que seriam inconstitucionais as legislações municipais que exigiam o pagamento do Imposto, quando lavrada a simples escritura de compra e venda, que nos termos da lei civil não tem condão de transferir a propriedade, a saber:
Código Civil/2002
Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
- 1 o Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.
Desta feita, ao analisar o fato gerador do Imposto sob a ótica constitucional, a Corte entendeu que a Carta Magna, em seu art. 156, II, autorizou aos municípios a instituição do ITBI sobre a transmissão de bens imóveis, que só ocorre com o registro. Isso porque, por ser um direito de subsunção, o direito tributário deve considerar os conceitos trazidos pelo direito privado para definição do fato gerador do tributo. Portanto, se o Código Civil definiu que a propriedade só será transmitida com o registro, não cabe ao ente estatal exigir o pagamento do imposto antes da transferência efetiva do imóvel.
Até então nenhuma surpresa, pois o precedente fixado seguia a linha da jurisprudência já pacificada do próprio STF. Ocorre que, na última semana, a discussão ganhou novos capítulos, na medida me que a Corte acolheu os embargos de declaração opostos pelo Município de São Paulo, determinando que o tema fosse reexaminado pelos Ministros. Em uma primeira análise, a decisão surpreendeu a comunidade jurídica, que já dava como certo o trânsito em julgado do processo, nos termos do precedente formado em 2021.
Porém, em uma análise mais atenta, não há motivos para acreditar em uma reviravolta no entendimento fixado anteriormente pela Corte, haja vista que o acolhimento dos embargos se deu justamente pela constatação de que o julgamento do ano passado não adentrou na controvérsia instaurada no leasing case, isto é, na oportunidade do julgamento de mérito o STF não analisou o ponto controvertido apontado pelo município de São Paulo ao submeter a discussão à Suprema Corte. Senão, veja-se o que disse o Min. Dias Toffoli, ao fundamentar o voto condutor do Acórdão:
“Muito embora tenha eu acompanhado o Relator no julgamento do mérito, inclusive quanto à reafirmação de jurisprudência, analisando melhor a presente controvérsia, julgo ser o caso de divergir de Sua Excelência para reconhecer a existência de matéria constitucional e de repercussão geral, na medida em que não há jurisprudência firmada na Corte sobre a específica hipótese da parte final do inciso II do art. 156 da Constituição Federal, isto é, sobre a hipótese relativa à “cessão de direitos a sua aquisição”.”
Nota-se, portanto, que o reexame da matéria pelo STF se baseia no entendimento, inaugurado pelo Ministro Dias Toffoli, de que o julgamento do mérito não apreciou o pleito em relação à cessão de direitos de aquisição do bem imóvel, previsto na parte final do art. 156, II da Constituição Federal. Senão, veja-se:
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;
Assim, há de se afirmar que o reexame da matéria não deve abarcar as hipóteses de incidência nas quais o Supremo se debruçou no julgamento do mérito (compromisso de compra e venda x registro), mas sim um negócio jurídico diverso, que é cessão do direito de aquisição, previsto como fato gerador pela Constituição Federal.
Como bem destacou o Ministro Dias Toffoli, o julgado anterior se limitou a fazer interpretação constitucional da extensão dos fatos geradores relacionados ao termo “transmissão”, pela qual a Corte acertadamente buscou amparo da legislação civil para definir que esta só ocorre com o registro. Porém, o dispositivo constitucional prevê outra hipótese de incidência, para qual utiliza-se do termo “cessão”, o que deveria ser interpretado isoladamente, por se tratar de outro negócio jurídico, que possuem tratamento jurídico próprio no direito privado.
Desta feita, é de se esperar que a Corte mantenha o entendimento quanto as hipóteses já analisadas, isto é, de que nas que envolve a transmissão da propriedade, o fato gerador do ITBI ocorre com o registro. Noutro vértice, a nova apreciação se limitará à hipótese envolvendo a cessão dos direitos, de forma que esta seja igualmente pacificada, determinando se há ou não a incidência do imposto municipal neste tipo de operação e em que momento nasceria a obrigação de pagamento nestes casos.
João Pedro Strambi Gontijo.
Advogado e Consultor da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados