Não é de hoje que as empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações, notadamente aquelas que se destacam pela prestação de provimento/acesso à internet, se sentem pressionadas, porque não dizer, totalmente acuadas, frente as arbitrariedades exercidas pelas Concessionárias de Energia Elétrica de todo o pais quando o assunto é o preço a ser aplicado ao “Compartilhamento da Infraestrutura dos pontos de fixação em postes”.
No mesmo sentido, não é novidade para as empresas atuantes no “ramo de telecomunicações” que os “Contratos de Compartilhamento de Infraestrutura” são redigidos de forma completamente unilateral pelas Cia. de Energias Elétricas, cabendo às empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações apenas aderir, sem qualquer possibilidade de negociação, às cláusulas contratuais que são impostas. Em verdade, tipicamente, estamos diante de um contrato de adesão!
E um dos pontos impostos pelas Cia. de Energias Elétricas no bojo dos contratos de adesão diz respeito ao preço a ser pago pelo “Compartilhamento da Infraestrutura”.
Desde a sua criação, a Lei n. 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações) sempre foi taxativa em afirmar que as empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações fazem jus ao compartilhamento da infraestrutura a preços justos e razoáveis (art. 73).
Porém, apesar da tentativa do legislador nortear a fixação do preço a ser pago pelo “Compartilhamento da Infraestrutura”, a verdade é que o mercado viveu um enorme período de indefinição, pois, o conceito de “justo e razoável” é totalmente subjetivo, dando margem para que as Concessionárias de Energia Elétrica usurpassem as empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações com a fixação de preços exorbitantes.
Durante esse período de indefinição, que perdurou de 1997 até dezembro/2014, as poucas demandas que eram submetidas ao Poder Judiciário, eram solucionadas através de prova pericial. O alto custo do processo e da necessária perícia inviabilizava que as empresas se valessem do Poder Judiciário para coibirem as práticas abusivas das Concessionárias de Energia Elétrica.
No entanto, essa indefinição foi sanada pela Resolução Conjunta n. 004/2014 (Anatel e Aneel).
O antigo conceito subjetivo de “justo e razoável” deu lugar ao parâmetro objetivo, definido como sendo o valor de R$ 3,19 (três reais e dezenove centavos) por ponto de fixação. Atualmente, o preço de referência atualizado perfaz a quantia de R$ 4,23 (quatro reais e vinte e três centavos) – data base setembro/2019.
É importante dizer que apenas depois da criação do preço de referência foi que o cenário mercadológico começou a ser alterado. Diante da referida previsão legal, as empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações começaram se socorrer a denominada “Comissão Conjunta de Resolução de Conflitos” para dirimir os conflitos existentes com as Cia. de Energia Elétrica no tocante ao preço de compartilhamento.
Antes de 2014, a “Comissão Conjunta de Resolução de Conflitos” era pouco acionada para dirimir conflitos relacionados ao preço, justamente porque não existia um parâmetro a ser aplicado pela referida Comissão. No entanto, com o advento da Resolução Conjunta n. 004/2014 e a consequente criação do Preço de Referência, o que se viu foi a propositura de várias demandas submetidas àquele colegiado.
A Comissão, inicialmente, proferiu dezenas de decisões determinando que as Concessionárias de Energia Elétrica aplicassem nos “Contratos de Compartilhamento” o preço de referência definido pela Resolução Conjunta n. 004/2014 em detrimento dos aviltantes preços cobrados, que muitas das vezes, superavam o preço de referência em 300% ou até mesmo 400%.
Infelizmente, apesar das decisões favoráveis proferidas inicialmente a Comissão Conjunta não tinha o “poder” de compelir as Cia. de Energia Elétrica a cumprirem as suas determinações.
Além disso, várias barreiras começaram a ser colocadas para a aplicação do preço de referência pela Comissão Conjunta de Resolução de Conflitos.
Neste enredo, as empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações começaram a migrar da Comissão Conjunta para o Poder Judiciário, pois, nesta última hipótese, existem meios eficazes de se compelir as Concessionárias ao cumprimento das decisões, isto, além da possibilidade de solicitar a aplicação do preço em sede de antecipação de tutela (inicialmente).
Se antes o processo judicial era caro, moroso e dependia de uma prova pericial complexa, atualmente, com as técnicas processuais vigentes, jungido ao preço de referência previsto na Resolução Conjunta n. 004/2014, as empresas estão buscando o preço de referência para que mesmo seja reconhecido pelo Poder Judiciário.
Diversas empresas atualmente acionam o Poder Judiciário para terem reconhecido o direito ao preço de referência. O preço de referência deixou de ser um direito positivado no papel para se tornar uma realidade. A prova disso é o entendimento que vem sendo aplicado pelos Tribunais de Justiça pátrios. Veja neste caso concreto, o que restou decidido pelo Tribunal de Justiça de Mineiro, por ocasião do julgamento do Agravo de Instrumento n. 1.0000.19.053294-5/001 – 5ª Câmara Cível, in verbis:
“Destarte, existindo regulamentação normativa específica, que define o valor máximo do preço a ser cobrado, e tendo em vista o interesse público existente na prestação do serviço de telecomunicação, correta a redução do preço para a locação dos postes da ré/agravante à autora/agravada, mediante a aplicação do preço de referência estabelecido na Resolução Conjunta n. 004/2014. Dessa forma, tenho por justo e razoável o valor do aluguel de R$ 4,12 (quatro reais e doze centavos) por ponto/poste/mês, fixado pela decisão agravada”.
Note que o próprio Poder Judiciário vem reconhecendo a força normativa da Resolução Conjunta n. 004/2014 que estabeleceu o preço de referência como sendo equivalente ao preço justo e razoável.
Em outras palavras, se as próprias Agências Reguladoras (Anatel e Aneel) do setor definiram que o preço “justo e razoável” é aquele previsto na Resolução Conjunta n. 004/2014, logo, desnecessária qualquer perícia no sentido de se apurar outro valor. Mesmo porque, antes ainda da Resolução Conjunta n. 004/2014 ser criada, as provas periciais realizadas pelo Poder Judiciário sempre apontavam para um preço inferior ao preço de referência.
O preço de referência não foi simplesmente imaginado. Ele decorreu de intensos estudos, debates e análises por inúmeros profissionais e estudiosos. Bem, por isso, o recente entendimento do Poder Judiciário de que o referido preço pode e deve ser aplicado aos contratos de compartilhamento de infraestrutura.
Outrossim, os mais céticos vão dizer que a decisão proferida pelo Poder Judiciário, assim como as decisões proferidas pela Comissão podem ser igualmente descumpridas pelas Concessionárias. Contudo, é importante ressaltar que essa “rebeldia” de algumas Concessionárias dura até que o Juiz de Direito fixe multa por descumprimento da ordem judicial ou mande instaurar processo crime pela desobediência.
Portanto, o preço de referência, atualmente, tem um papel preponderante de norma material perante o poder judiciário. E também por isso é premente a necessidade de se manter o preço de referência por ocasião da revisão da Resolução Conjunta n. 004/2014 prevista para o final do presente ano. É através da mantença do preço de referência que será exercido o princípio da competição entre as pequenas e grandes empresas do setor de telecomunicações.
Thiago Chaves
Advogado da Silva Vitor, Faria & Ribeiro – Sociedade de Advogados
thiago@silvavitor.com.br