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Sob a Ótica Do STJ: Links Patrocinados, Marcas Registradas e Concorrência Desleal no Ambiente Digital.

By 23 de dezembro de 2025No Comments

A publicidade digital transformou o posicionamento empresarial no mercado contemporâneo. Com a expansão do comércio eletrônico, os links patrocinados, especialmente no Google, passaram a representar uma poderosa ferramenta de impulsionamento comercial. A lógica é simples, quanto mais visível a empresa, maiores as chances de conversão, isto é, de transformar a visibilidade em resultado econômico.

 Porém, nem toda estratégia de visibilidade digital é legítima. Quando a obtenção de destaque nos resultados de busca decorre da utilização da marca registrada de um concorrente, especialmente como palavra-chave de link patrocinado, não se está mais diante de uma prática mercadológica lícita, mas de ato de concorrência desleal, passível de responsabilização civil e penal.

Esse exato ponto foi enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.937.989/SP[i], em decisão proferida em 23 de agosto de 2022. A Quarta Turma assentou que, embora o serviço de publicidade paga seja lícito, viola a legislação de propriedade industrial aquele que elege como palavra-chave, em links patrocinados, marca registrada por concorrente, pois isso caracteriza desvio de clientela e confusão do consumidor, condutas expressamente reprimidas pelo artigo 195, incisos III e V, da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) [1], e pelo artigo 10 bis da Convenção da União de Paris[2] para Proteção da Propriedade Industrial.

O Superior Tribunal de Justiça, na decisão em questão, registrou que “a deslealdade não está no objetivo de buscar clientela, mas na forma como esse objetivo é alcançado”, destacando que, no ambiente virtual, a manipulação da visibilidade por meio de marca alheia pode acarretar a diluição da marca original, afetando sua função publicitária e reduzindo sua visibilidade, efeitos capazes de comprometer diretamente o valor econômico e mercadológico do ativo intelectual. A prática, portanto, atinge não apenas a empresa legítima titular da marca, mas o próprio equilíbrio do mercado, que depende da confiança do consumidor e do respeito às identidades empresariais consolidadas.

Na decisão, o STJ ressaltou que os provedores de busca são lícitos e prestam relevante função social, organizando informações e facilitando o acesso ao consumo. No entanto, reconheceu-se que os mecanismos digitais não podem se transformar em instrumentos de captura ardilosa de clientela, sobretudo quando criam associação proposital entre empresas concorrentes. Diante disso, o Tribunal Superior afirmou que “o estímulo à livre iniciativa deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado”.

Sob essa ótica, a Lei de Propriedade Industrial assume o protagonismo. O artigo 195, em seu inciso III, pune o emprego de meio fraudulento para desvio de clientela; o seu inciso V, por sua vez, veda o uso indevido de nome empresarial ou insígnia alheia. Já os artigos 207[3] e 209[4] do mesmo diploma legal autorizam a reparação civil independente da esfera penal, inclusive por meio de lucros cessantes e indenizações por diluição de marca.

O precedente do STJ representa, portanto, marco relevante para empresários, gestores de marketing, titulares de marcas registradas e profissionais da área jurídica.

O Tribunal deixou claro que não se tutela o monopólio da clientela, mas sim a lealdade concorrencial como requisito básico para um mercado saudável. Há espaço para inovação, tecnologia e disputa intensa por resultados. O que não há espaço é para a confusão intencional, a diluição da identidade alheia e o aproveitamento parasitário da credibilidade construída por terceiros.

Em tempos de saturação informacional, a visibilidade é valiosa, e a marca, mais ainda. Por isso, proteger a identidade empresarial no ambiente digital não é apenas uma postura jurídica é uma estratégia de sobrevivência e fortalecimento competitivo. Links patrocinados são instrumentos legítimos de marketing, desde que respeitem os limites da propriedade intelectual. Quando esses limites são ultrapassados, o Judiciário0 é uma via para coibir essa ilicitude.

Nesse contexto, a decisão do STJ, ao condenar o uso indevido de marca em link patrocinado e reafirmar a necessidade de respeito à lealdade concorrencial, oferece não apenas segurança jurídica, mas também um recado claro ao mercado: concorrer é permitido, confundir, não.

Dr. Carlos Prates Couto
Advogado e Consultor Jurídico da Silva Vitor, Faria & Ribeiro | Sociedade de Advogados