A publicidade digital transformou o posicionamento empresarial no mercado contemporâneo. Com a expansão do comércio eletrônico, os links patrocinados, especialmente no Google, passaram a representar uma poderosa ferramenta de impulsionamento comercial. A lógica é simples, quanto mais visível a empresa, maiores as chances de conversão, isto é, de transformar a visibilidade em resultado econômico.
Porém, nem toda estratégia de visibilidade digital é legítima. Quando a obtenção de destaque nos resultados de busca decorre da utilização da marca registrada de um concorrente, especialmente como palavra-chave de link patrocinado, não se está mais diante de uma prática mercadológica lícita, mas de ato de concorrência desleal, passível de responsabilização civil e penal.
Esse exato ponto foi enfrentado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.937.989/SP[i], em decisão proferida em 23 de agosto de 2022. A Quarta Turma assentou que, embora o serviço de publicidade paga seja lícito, viola a legislação de propriedade industrial aquele que elege como palavra-chave, em links patrocinados, marca registrada por concorrente, pois isso caracteriza desvio de clientela e confusão do consumidor, condutas expressamente reprimidas pelo artigo 195, incisos III e V, da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996) [1], e pelo artigo 10 bis da Convenção da União de Paris[2] para Proteção da Propriedade Industrial.
O Superior Tribunal de Justiça, na decisão em questão, registrou que “a deslealdade não está no objetivo de buscar clientela, mas na forma como esse objetivo é alcançado”, destacando que, no ambiente virtual, a manipulação da visibilidade por meio de marca alheia pode acarretar a diluição da marca original, afetando sua função publicitária e reduzindo sua visibilidade, efeitos capazes de comprometer diretamente o valor econômico e mercadológico do ativo intelectual. A prática, portanto, atinge não apenas a empresa legítima titular da marca, mas o próprio equilíbrio do mercado, que depende da confiança do consumidor e do respeito às identidades empresariais consolidadas.
Na decisão, o STJ ressaltou que os provedores de busca são lícitos e prestam relevante função social, organizando informações e facilitando o acesso ao consumo. No entanto, reconheceu-se que os mecanismos digitais não podem se transformar em instrumentos de captura ardilosa de clientela, sobretudo quando criam associação proposital entre empresas concorrentes. Diante disso, o Tribunal Superior afirmou que “o estímulo à livre iniciativa deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado”.
Sob essa ótica, a Lei de Propriedade Industrial assume o protagonismo. O artigo 195, em seu inciso III, pune o emprego de meio fraudulento para desvio de clientela; o seu inciso V, por sua vez, veda o uso indevido de nome empresarial ou insígnia alheia. Já os artigos 207[3] e 209[4] do mesmo diploma legal autorizam a reparação civil independente da esfera penal, inclusive por meio de lucros cessantes e indenizações por diluição de marca.
O precedente do STJ representa, portanto, marco relevante para empresários, gestores de marketing, titulares de marcas registradas e profissionais da área jurídica.
O Tribunal deixou claro que não se tutela o monopólio da clientela, mas sim a lealdade concorrencial como requisito básico para um mercado saudável. Há espaço para inovação, tecnologia e disputa intensa por resultados. O que não há espaço é para a confusão intencional, a diluição da identidade alheia e o aproveitamento parasitário da credibilidade construída por terceiros.
Em tempos de saturação informacional, a visibilidade é valiosa, e a marca, mais ainda. Por isso, proteger a identidade empresarial no ambiente digital não é apenas uma postura jurídica é uma estratégia de sobrevivência e fortalecimento competitivo. Links patrocinados são instrumentos legítimos de marketing, desde que respeitem os limites da propriedade intelectual. Quando esses limites são ultrapassados, o Judiciário0 é uma via para coibir essa ilicitude.
Nesse contexto, a decisão do STJ, ao condenar o uso indevido de marca em link patrocinado e reafirmar a necessidade de respeito à lealdade concorrencial, oferece não apenas segurança jurídica, mas também um recado claro ao mercado: concorrer é permitido, confundir, não.
Dr. Carlos Prates Couto
Advogado e Consultor Jurídico da Silva Vitor, Faria & Ribeiro | Sociedade de Advogados
[1] Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (…) III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; (…) V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;
[2] Art. 10º bis: Os países contratantes serão obrigados a assegurar a todos os cidadãos dos países da União uma proteção efetiva contra concorrência desleal.
[3] Art. 207. Independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil.
[4] Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.
[i]RECURSO ESPECIAL. ORDEM ECONÔMICA. LIVRE CONCORRÊNCIA. DESVIO DE CLIENTELA E CONCORRÊNCIA DESLEAL . REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA. INTERNET. COMÉRCIO ELETRÔNICO. PROVEDORES DE BUSCA . LINKS PATROCINADOS. PALAVRA-CHAVE. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MARCA REGISTRADA. CONFUSÃO DO CONSUMIDOR . DILUIÇÃO DA MARCA. PERDA DE VISIBILIDADE. INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL. 1 . A livre concorrência é direito constitucional e sua defesa é princípio geral da ordem econômica (art. 170, IV), materializada na repressão à dominação dos mercados e de quaisquer movimentos tendentes à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º, da CF). 2 . A política de concorrência é determinante para continuidade dos empreendimentos de ordem econômica e estrutural de um mercado eficaz. Todavia, a utilização de esforços antiéticos para o desvio de clientela e o empobrecimento do concorrente, torna desleal a concorrência, o que deve ser combatido pelo ordenamento jurídico. 3. O ato de concorrência leal e o de concorrência desleal têm em comum a sua finalidade: ambos objetivam a clientela alheia . A deslealdade, no entanto, está na forma de atingir essa finalidade. Não é desleal o ato praticado com o objetivo de se apropriar de uma clientela, mas, sim, a prática de atos que superem a barreira do aceitável, lançando mão de meios desonestos. 4. A internet, fruto da revolução tecnológica, maximizou a visibilidade da oferta e circulação de produtos e serviços, propiciando aos seus players o alcance de mercados, até então, de difícil ou impossível ingresso, colaborando para o advento de novos modelos de negócio e a expansão da livre concorrência . 5. Os provedores de busca são sites que rastreiam, indexam e armazenam informações, que são disponibilizadas online, organizando-as e classificando-as para que, uma vez consultadas, possam ser fornecidas como sugestões (ou resultados) que atendam aos critérios de busca informados pelos próprios usuários. 6. É lícito o serviço de publicidade pago, oferecido por provedores de busca, que, por meio da alteração do referenciamento de um domínio, com base na utilização de certas palavras-chave, coloca em destaque e precedência o conteúdo pretendido pelo anunciante “pagador” (links patrocinados) . 7. Todavia, infringe a legislação de propriedade industrial aquele que ele como palavra-chave, em links patrocinados, marcas registradas por um concorrente, configurando-se o desvio de clientela, que caracteriza ato de concorrência desleal, reprimida pelo art. 195, III e V, da Lei da Propriedade Industrial e pelo art. 10 bis, da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial . 8. Utilizar a marca de um concorrente como palavra-chave para direcionar o consumidor do produto ou serviço para o link do concorrente usurpador é capaz de causar confusão quanto aos produtos oferecidos ou a atividade exercida pelos concorrentes. Ainda, a prática desleal conduz a processo de diluição da marca no mercado e prejuízo à função publicitária, pela redução da visibilidade. 9 . O estímulo à livre iniciativa, dentro ou fora da rede mundial de computadores, deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado. 10. A repressão à concorrência desleal não visa tutelar o monopólio sobre o aviamento ou a clientela, mas sim garantir a concorrência salutar, leal e os resultados econômicos. A lealdade é, assim, limite primeiro e inafastável para o exercício saudável da concorrência e deve inspirar a adoção de práticas mercadológicas razoáveis . 11. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1937989 SP 2021/0144329-4, Data de Julgamento: 23/08/2022, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/11/2022). (g.n.)