Por Dr. Alan Silva Faria e Dra. Lissa Souza
(Advogados e Consultores da Silva Vitor, Faria & Ribeiro – Sociedade de Advogados)
Existem dois fundamentos basilares que sustentam a eficácia e a eficiência das atividades tidas como essenciais na sociedade de mercado. A primeira delas é o direito, que pode ser denominada também como a difícil missão de regulamentar o comportamento humano. A segunda, seria o respeito ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, imprescindíveis para a adequação entre o texto redigido, os objetivos traçados e os impactos regulatórios.
Não existem dúvidas sobre a importância de se criar regras para qualquer atividade, principalmente as elencadas como essenciais, como é o caso das atividades prestadas pelas Empresas de Telecomunicações, todavia, à arte de regular deve respeitar os ditames constitucionais e observar resultados na prática. Em outras palavras, “a diferença entre o remédio e o veneno está na dose”.
A regulamentação da atividade de telecomunicações é de competência privativa da União, não podendo os Municípios ou Estados extrapolarem as limitações pertinentes à esta temática.
No entanto, ferindo esse sistema de competências legislativas, e com justificativa ardilosa na competência para legislar sobre questões ambientais, arquitetônicas e urbanísticas (competências de fato privativas dos Municípios), vários Municípios Brasileiros sempre legislaram sobre o setor de telecomunicações!
Em um passando não tão distante, o inimigo dos Municípios eram as torres instaladas pelas empresas de telecomunicações para a colocação de rádios de transmissão. Isso porque, a operação do serviço de internet banda larga para o consumidor final era feita massivamente por meio de rádios!
Esse ataque legislativo inconstitucional foi combatido ferozmente perante o STF, quem consolidou a competência privativa da União para legislar sobre o setor de telecomunicações.
Atualmente, temos outra realidade advinda da tecnologia de fibra óptica. E outro enfrentamento legislativo. Por isso, agora, o inimigo dos municípios são os postes que suportam as fibras ópticas. Mas, infelizmente, as vítimas continuam sendo as empresas de telecomunicações.
As novas leis municipais versam sobre a colocação dos cabos (infraestrutura de telecomunicações) nos postes das empresas de energia elétrica. Algumas Leis Municipais versam sobre a colocação de fibras nos postes e atribuem super poderes as secretarias dos Municípios, diretamente e notoriamente com fins arrecadatórios.
A exemplo, temos o caso do Município de Suzano/SP que editou a Lei Complementar n° 360/2021 e o Decreto n° 9.783/2022. Por meio da referida Lei flagrantemente inconstitucional várias empresas de telecomunicações tiveram suas atividades paralisadas por ações arbitrárias praticadas pelos Agentes Públicos. Equipamentos e carros foram apreendidos sob a justificativa de que a Lei Municipal de Suzano/SP previu a obrigatoriedade das empresas solicitarem a respectiva Prefeitura uma prévia e formal autorização para operação/colocação de infraestrutura de telecomunicações nos postes administrados pela Cia de Energia.
Basicamente, a Lei Suzanense criou uma nova burocracia inconstitucional após várias empresas já operarem in loco, e literalmente passou por cima da entidade competente para regular a atividade em questão, uma vez que mesmo com a aprovação do projeto técnico de ocupação pela Concessionária de Energia Elétrica, a prestadora do serviço de telecomunicação naquele município somente poderá dar início a sua atividade caso passe pelos requisitos materializados pela hostilizada Lei.
O mesmo aconteceu com a Lei do município de Americana/SP, lei já declarada inconstitucional com o julgamento da ADPF 731. A dita Lei havia estabelecido restrição à atuação das empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações quanto à instalação de sistemas a menos de 50 metros das residências.
Ainda sobre a prática de apreensão ilegal de bens, menciona-se também a Lei nº 7.423/2017, da cidade de Jaraguá do Sul/SC, que na mesma toada da mencionada lei de Suzano, previu a possibilidade de apreensão em caso de descumprimento de suas disposições, e estabeleceu regulamentações que fogem ao escopo urbanístico e arquitetônico, determinando a disponibilização de documentos pelas empresas à Prefeitura correlata.
Lado outro, é importante dizer que existem Leis Municipais que legislam corretamente! Especialmente, para atacar o problema de organização dos cabos perante as cidades. Problema que de fato deve ser atacado pelos municípios, mas, sem extrapolação de competências para legislar, e sem a fome arrecadatória que temos visto.
Exemplo disso, no dia 07 de dezembro de 2023 foi aprovado na Câmara Municipal da cidade de Dois Vizinhos/PR o Projeto de Lei (PL) n° 049/2023 de autoria da Prefeitura que “Dispõe sobre a regularização e retirada de fiação e equipamentos inutilizados ou em desuso dos postes instalados em vias públicas do Município de Dois Vizinhos e dá outras providências”.
A Lei visou estabelecer normas de polícia administrativa para a proteção do meio ambiente e da ordem urbanística local. Sua determinação é disciplinar, então, somente foram criadas regras que garantem a segurança e a estética das vias públicas do município. Ou seja, a nossa ótica, o projeto não intervém na relação jurídica entre o prestador do serviço de distribuição de energia elétrica e o prestador do serviço essencial de telecomunicações, no tocante ao compartilhamento de infraestrutura, logo, a concessão, permissão, procedimento ou autorização do uso dos postes de energia não é objeto do projeto.
A Lei remete observância de outros diplomas específicos quanto ao regramento técnico, para tal, não realizando qualquer previsão de pagamento de valores ou mesmo de exigência de autorização do município para que seja realizado o compartilhamento de infraestrutura. Imperioso destacar que a ausência de previsão neste sentido é essencial para garantir a constitucionalidade.
Em seu art. 3º a Lei prevê a exclusiva responsabilidade da concessionária de energia elétrica para efetuar a fiscalização e adequação pertinente ao compartilhamento, estabelecendo para tal, o prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar de sua promulgação. E veja que em seu §1º, o art. 3º prevê a obrigatoriedade de que a distribuidora realize a respectiva notificação das demais empresas que compartilham a infraestrutura, podendo tal dispositivo ser interpretado como a necessidade de notificação prévia das empresas para a realização da adequação, em consonância com o que determina a Resolução Conjunta 004/2014 da Anatel e Aneel, observando-se para tal, o mesmo prazo de 180 (cento e oitenta) dias mencionado. Outrossim, o projeto também estabelece como deverá ser feita a retirada dos cabos mortos, deixando a responsabilidade fiscalizatória com a concessionária de energia elétrica.
O mesmo prazo é aplicado, vide artigo 4º, para que haja a identificação por plaquetas dos equipamentos e cabos, prevendo em seu §2º a expressa possibilidade e permissão de compartilhamento de infraestrutura de diferentes empresas, devendo todas serem identificadas da mesma maneira.
Destaca-se que em seu art. 4º § 3º, a Lei concede a permissão às concessionárias de energia para a remoção de fiações e equipamentos não identificados, mas estabelece a estrita necessidade de que o prazo de 180 dias, assim como a notificação prevista em artigo anterior, sejam devidamente respeitados antes de qualquer ato.
O que se espera da previsão supramencionada é que haverá a intensificação das fiscalizações eventualmente realizadas pelas detentoras, com um viés de remoção de cabos e equipamentos, motivo pelo qual, deve-se observar o cumprimento do contraditório para que seja averiguada a validade dos apontamentos realizados em todas as suas vertentes, desde o cumprimento do procedimento, assim como da adequação entre a suposta irregularidade com a previsão técnica neste sentido.
E vejam que tais previsões informadas acima, oriundas da Lei de Dois Vizinhos/PR não ofendem a competência privativa da União para legislar sobre matéria de telecomunicações.
Verifica-se portanto, que a referida Lei visa retirar a concessionária de energia elétrica da inércia fiscalizatória, uma vez que a concessionária também será efetivamente fiscalizada pelo município por meio do Departamento de Gestão Urbana do Município de Dois Vizinhos/PR.
Por todo o exposto, nesse novo capítulo de Leis Municipais eclodindo para regulamentar os cabos de fibras, as prestadoras devem verificar a diferenciação entre a competência legislativa municipal para questões ambientais, urbanísticas e arquitetônicas, e a competência privativa da União para a regulamentação acerca do tema de telecomunicações.
REFERÊNCIAS:
BRASIL, Câmara Municipal de Dois Vizinhos. Projeto de Lei nº 049/2023, de 30 de outubro de 2023. Dispõe sobre a regularização e retirada de fiação e equipamentos inutilizados ou em desuso dos postes instalados em vias públicas do Município de Dois Vizinhos e dá outras providências. Dois Vizinhos. Câmara de Vereadores. 2023. Disponível em: https://www.cmdv.pr.gov.br/proposicao/7185. Acesso em 21/12/2023. Acesso em: 21 de dezembro de 2023
BRASIL. Câmara Municipal de Suzano Lei Complementar nº 0360, de 17 de setembro de 2021. Dispõe sobre a instalação em vias públicas. Município de Suzano. 2021. Disponível https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/suzano/lei-complementar/2021/36/360/lei-complementar-n-360-2021-dispoe-sobre-a-instalacao-em-vias-publicas?q=mobilidade. Acesso em: 21 de dezembro de 2023
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.Acesso em: 21 de dezembro de 2023
BRASIL. Prefeitura Municipal de Suzano. DECRETO N° 9.783, de 25 de maio de 2022. Regulamenta a Lei Complementar nº 0360, de 17/09/2021. Município de Suzano. 2022. Disponível em https://suzano.sp.gov.br/wp-content/uploads/2022/08/9783-22-Regulamentacao-LC-360-2021.pdf. Acesso em: 21 de dezembro de 2023