Os recursos de numeração da Internet, com o Autonomous System Number, conhecidos como ASN e os blocos de endereços IP (IPv4 e IPv6), são fundamentais para a operação de provedores de acesso à internet. O ASN funciona como um identificador único para redes que seguem uma política de roteamento comum, sendo indispensável para a conexão dessas redes em escala global. Já o bloco IP é composto por um conjunto de endereços IP usados para identificar dispositivos conectados à Internet, viabilizando o acesso a serviços online e a interação entre dispositivos e redes.
No Brasil, a distribuição dos recursos ASN e blocos IP é realizada pelo Registro Br, administrado pelo NIC.br, seguindo as diretrizes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e em conformidade com as políticas do LACNIC, responsável pela administração desses recursos na América Latina e Caribe. Esses recursos são alocados por meio de concessões de uso, rigorosamente regulamentadas, sem importar na transferência de propriedade. Portanto, os ASN e blocos IP, não podem ser comercializados como se fossem parte do patrimônio das empresas detentoras do direito do seu uso.
Os blocos IPv4, conhecidos por sua limitação numérica, possuem um espaço de numeração limitado, com capacidade para cerca de 4 bilhões de combinações. Esse número, embora significativo, tornou-se insuficiente diante do crescimento exponencial da Internet e da quantidade de dispositivos conectados. Como consequência, em 19 de agosto de 2020, houve o esgotamento do estoque de IPv4 disponível na região do LACNIC[1]. Para enfrentar essa escassez, foi desenvolvido o padrão IPv6, com espaço de endereçamento praticamente ilimitado e preparado para atender às demandas futuras. No entanto, os blocos IPv4 continuam necessários para compatibilidade com sistemas legados, o que mantém a sua alta procura.
Diante desse cenário, tornou-se comum a celebração de contratos entre provedores de acesso à internet envolvendo a cessão onerosa do direito de uso de ASNs e blocos IPv4. No entanto, tais práticas configuram ilegalidade, uma vez que esses recursos são concessões de uso, e não propriedade privada.
Contratos que têm por objeto a venda, cessão ou locação desses recursos não possuem validade jurídica, sendo nulos de pleno direito, nos termos do Código Civil Brasileiro (artigo 104, inciso II e artigo 166, inciso II). Ademais, essa prática ilegal pode acarretar consequências graves tanto para o detentor do direito de uso, quanto para o adquirente, incluindo:
Embora a comercialização desses recursos seja ilegal, existem situações regulamentadas em que a transferência de uso desses recursos é permitida, desde que respeitadas as normas do NIC.br e do LACNIC.
Primeiramente, a transferência desses recursos ASN e bloco IPv4 pode ser realizada em casos como fusões, aquisições, reorganizações empresariais, mediante apresentação de documentação comprobatória e de inventário com o detalhamento dos equipamentos e clientes que utilizam os recursos a serem transferidos.
Ademais, desde Julho de 2020, também é permitida a transferência direta desses recursos entre empresas, mediante justificativa e aprovação do Nic.br, além do pagamento de taxa, respeitando critérios rigorosos descritos nas políticas do NIC.br e do LACNIC, a saber[2]:
Como se vê, embora seja impossível a comercialização de ASN e blocos IPv4, existem caminhos lícitos para a transferência do direito de uso desses recursos.
Contudo é imprescindível o cumprimento de todas as regras do NIC.br e do LACNIC, garantindo a conformidade com as políticas vigentes e evitando complicações legais. Qualquer tentativa de comercialização ou transferência irregular desses recursos é considerada ilegal e pode trazer consequências severas para os envolvidos.
Portanto, é fundamental que os provedores, seja na qualidade de detentores do direito de uso desses recursos ou de adquirentes do direito de uso, estejam atentos a esses riscos e busquem orientação jurídica adequada, antes de celebrar qualquer operação envolvendo ASNs e blocos IPv4.
Zelar pela integridade de suas operações e pela conformidade legal é essencial para evitar prejuízos financeiros e danos à imagem da empresa. Prevenir irregularidades é sempre mais eficaz e econômico do que lidar com as consequências.
Kátia Santos
Advogada e Consultora Jurídica
Sócia da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados
[1]https://registro.br/tecnologia/numeracao/faq/enderecos-ipv4/
[2] https://registro.br/tecnologia/numeracao/transferencias/
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