O instituto da usucapião, tradicionalmente associado à aquisição de bens imóveis ou móveis tangíveis, tem evoluído para acompanhar as novas realidades, econômicas e sociais. No cenário atual, marcado pelo uso intensivo da internet e pela crescente valorização dos ativos digitais, a usucapião de bens intangíveis, como o domínio de internet, representa um importante avanço jurídico.
Domínios de internet, em suma, se destinam a localizar e identificar conjuntos de computadores na internet. Um domínio de internet funciona como o endereço digital de uma empresa ou indivíduo, conectando usuários aos servidores onde o conteúdo e serviços estão hospedados.
No Brasil, o registro, a gestão e a manutenção de domínios são realizados pelo “Registro.br”, departamento do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br). O sistema de registro de domínio, denominado Sistema de Nome de Domínio (DNS, na sigla em inglês), atribui o registro ao primeiro solicitante que cumprir os requisitos de registro e efetuar o pagamento correspondente. Após registrado, o domínio pode ser mantido indefinidamente, desde que o titular renove anualmente sua licença, mediante pagamento. Esse modelo impede que um domínio já registrado seja adquirido por terceiros, sem a anuência do titular.
No contexto empresarial contemporâneo, os domínios de internet são ferramentas essenciais para identificação e localização de empresas no ambiente virtual. Apesar de sua natureza intangível, possuem relevância econômica e patrimonial, funcionando como ativos digitais estratégicos que reforçam a identidade e a marca de uma empresa, além de possuírem um valor de mercado significativo.
A importância dos domínios de internet para seus usuários tem levado o Poder Judiciário brasileiro a reconhecê-los como bens móveis. Esse entendimento, por sua vez, possibilita a aplicação do instituto da usucapião sobre eles, como reflexo da necessidade de o Direito adaptar às exigências do mundo digital.
Reforça esse entendimento, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) editado na Súmula 193, que orienta no sentido de que “o direito de uso de linha telefônica pode ser adquirido por usucapião”, pois, embora seja incorpóreo, se aproxima de um direito real de uso pelo seu valor econômico, se caracterizando como um bem móvel. Os domínios de internet, assim como as linhas telefônicas, também são bens incorpóreos com valor patrimonial, e, portanto, merecem o mesmo tratamento jurídico, inclusive no tocante à usucapião.
De uma forma geral, a usucapião de bens móveis exige como requisitos básicos a posse contínua, pacífica e ininterrupta por anos (cinco anos independentemente de justo título ou boa-fé, ou três anos com a presença desses), além do animus domini – ou seja, comportamento de quem age como legítimo proprietário do bem.
Os mesmos requisitos se aplicam às ações de usucapião relacionadas a domínios de internet. Quando um domínio de internet, registrado em nome de terceiros, é utilizado de forma contínua e inquestionada por anos, com o pagamento regular das taxas necessárias para sua manutenção e sem oposição do titular registrado, a usucapião surge como uma solução jurídica para regularizar a titularidade do registro e eliminar reflexos negativos.
A usucapião permite o reconhecimento e a proteção de uma posse já consolidada, assegurando a segurança jurídica e patrimonial àquele que exerce, na prática, o uso efetivo e ininterrupto desse ativo digital. Diante desse contexto, é evidente a importância do instituto da usucapião de domínio de internet, sobretudo para empresas, especialmente em um mercado digital cada vez mais competitivo.
Domínios de internet vinculados a marcas ou negócios consolidados possuem considerável valor econômico. A propriedade formal, obtida por meio da usucapião, regulariza a titularidade do domínio de internet, permite sua inclusão no patrimônio da empresa e viabiliza transações seguras, como vendas ou cessões de direitos. Por outro lado, a ausência de regularização pode expor as empresas a riscos, inclusive financeiros, como a perda do domínio, a impossibilidade de transferir sua titularidade, entre outros.
Sob essa perspectiva, a usucapião surge como uma solução jurídica hábil a assegurar o direito de propriedade sobre um domínio de internet utilizado de forma ininterrupta por determinada pessoa, diversa da titular, oferecendo estabilidade, proteção e segurança a esse investimento. Apesar de o tema ser relativamente recente, já existem decisões proferidas por Tribunais estaduais, reforçando a ideia de que o instituto da usucapião é plenamente aplicável aos domínios de internet.
Diante desse cenário jurídico inovador, o escritório Silva Vitor Faria & Ribeiro Advogados tem atuado, também, nesse tipo de ação judicial voltada à regularização de domínios de internet. Essas ações judiciais visam proteger os interesses de empresas que utilizam esses domínios de forma contínua e legítima, mas que ainda estão registrados em nome de terceiros. A judicialização dessas questões tem se mostrado um caminho eficaz para garantir a segurança jurídica e patrimonial de empresas com forte presença digital, que não possuem a titularidade formal do domínio.
O reconhecimento jurídico da possibilidade da usucapião de bens intangíveis é uma resposta necessária às demandas do ambiente digital. Esse avanço representa um passo crucial para a proteção de direitos sobre ativos digitais que, embora intangíveis, possuem valor econômico e funcionalidade essenciais no cenário empresarial contemporâneo.
Kátia Santos
Advogada e Consultora Jurídica
Sócia da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados
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