O aumento das disputas em processos sucessórios e a crescente complexidade na gestão das empresas ou grupos empresariais têm impulsionado a busca por soluções jurídicas mais estruturadas e eficientes.
No Brasil, onde a maioria das empresas é controlada por pessoas físicas, a perenidade dos negócios está diretamente relacionada à adoção de estruturas bem planejadas de sucessão e de proteção patrimonial.
O papel estratégico das holdings
Nesse cenário, ganha relevância o papel estratégico das holdings, sejam elas com viés operacional ou patrimonial, que passaram a ser vistas não apenas como instrumentos de eficiência tributária, mas como pilares centrais nos planejamentos societário, sucessório e patrimonial.
Entretanto, mais do que concentrar todos os bens particulares sob uma única estrutura, o modelo mais consistente de organização envolve a criação de ao menos duas holdings distintas:
- Holding Operacional – responsável por deter e administrar as participações societárias das empresas do grupo empresarial;
- Holding Patrimonial – destinada à gestão e administração dos bens imóveis e demais ativos de natureza patrimonial antes detido pela pessoa física.
Essa segregação visa isolar os riscos empresariais da atividade operacional, evitando que eventual passivo decorrente dos negócios empresariais comprometa diretamente o patrimônio individual ou imobiliário da pessoa física. Além disso, confere maior clareza na gestão, favorecendo o planejamento estratégico, a eficiência na governança de cada núcleo e uma administração mais segura dos ativos.
Planejamento sucessório e continuidade dos negócios
No âmbito do planejamento sucessório, as holdings revelam-se especialmente vantajosas.
Por meio da doação de quotas com cláusulas restritivas, como usufruto, incomunicabilidade e inalienabilidade, é possível antecipar a sucessão hereditária, manter o controle dos ativos com o doador e evitar os custos e a morosidade do inventário judicial.
Essa estrutura não apenas assegura a continuidade da atividade empresarial, mas também reduz significativamente o potencial de litígios entre herdeiros, ao estabelecer de forma clara e prévia regras sobre a participação societária, a administração e os critérios de sucessão no controle dos negócios.
Exemplo prático: imagine um patriarca ou uma matriarca que possua diversos imóveis e participações em empresas operacionais. Sem uma holding, cada bem precisaria ser partilhado individualmente em um inventário complexo e demorado. Com a estruturação de uma holding patrimonial, o espólio é representado por quotas sociais, o que simplifica a partilha e evita conflitos entre herdeiros, além de garantir a continuidade dos negócios sem paralisações operacionais.
Governança corporativa e profissionalização da gestão
Outro ponto de destaque é a possibilidade de profissionalização da gestão por meio da adoção de instrumentos de governança corporativa. Nesse processo de amadurecimento, muitos empresários ou grupos empresariais têm optado pela implementação de conselhos consultivos ou de administração, promovendo uma gestão mais técnica, transparente e profissional, sem perder a identidade e os valores individuais de cada controlador.
Acordos de sócios bem elaborados são instrumentos fundamentais de governança, capazes de definir diretrizes estratégicas, regular a distribuição de lucros, estabelecer regras claras de sucessão societária e criar mecanismos preventivos de solução de conflitos. Tais medidas são essenciais para a longevidade e estabilidade das organizações.
Exemplo prático: imagine um empresário que detenha participações societárias em três empresas operacionais, mas, com herdeiros com perfis distintos. Ao estruturar uma holding operacional, esse empresário poderá centralizar a gestão das participações societárias, instituir um conselho consultivo para apoiar as decisões estratégicas e definir regras de sucessão e governança em um único instrumento societário. Isso reduz potenciais conflitos, garante o alinhamento entre gerações e fortalece a sustentabilidade do grupo empresarial.
Proteção patrimonial e segurança jurídica
Sob a perspectiva da proteção patrimonial, embora nenhuma estrutura jurídica proporcione blindagem absoluta, a holding representa uma camada relevante de segurança, desde que observadas as formalidades legais e a efetiva separação entre pessoa física e jurídica.
Quando constituída e operada com regularidade e finalidade legítima, a holding funciona como um instrumento eficaz de contenção de riscos e de salvaguarda do patrimônio.
Exemplo prático: se uma empresa operacional sofrer uma execução ou litígio empresarial, os imóveis e ativos mantidos em uma holding patrimonial separada não poderão ser atingidos diretamente, pois não pertencem à mesma pessoa jurídica. Essa separação protege o núcleo onde estão os bens patrimoniais contra passivos oriundos da atividade empresarial, reduzindo o risco de perda do patrimônio pessoal.
Oportunidades tributárias e acompanhamento contínuo
No campo tributário, a holding também permite oportunidades relevantes de planejamento, especialmente quanto à organização dos ativos e estruturação de investimentos.
No caso das holdings operacionais, um benefício real está relacionado à tributação sobre lucros e dividendos, que entrará em vigor a partir de Janeiro de 2026, por força da Lei 15.270/2025. Os sócios pessoas físicas podem utilizar a holding operacional para canalizar a distribuição de lucros e dividendos, utilizando-se a mesma como instrumento de reinvestimento intragrupo e em novos negócios, como também como canal de investimento pessoal, sem se submeter à tributação de lucros e dividendos (já que esta tributação recai sobre lucros e dividendos distribuídos, acima de R$ 50 mil/mês, a pessoas físicas).
No caso das holdings patrimoniais, um benefício recorrente está na possível redução da carga tributária sobre receitas de locação de imóveis, já que a tributação na pessoa jurídica, a depender do regime fiscal adotado, pode ser mais vantajosa do que na pessoa física. Além disso, observados os limites e condições estabelecidos pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 796 da repercussão geral), há a possibilidade de imunidade do ITBI (Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis) na integralização de imóveis ao capital social da holding, desde que a empresa não tenha como atividade preponderante a compra e venda ou locação de imóveis próprios.
Essas medidas contribuem para otimizar o fluxo tributário, proteger o patrimônio e facilitar a administração dos ativos imobiliários, desde que sejam adotadas com base em planejamento criterioso e respaldo técnico-jurídico adequado.
Contudo, é imprescindível que o modelo adotado esteja alinhado ao perfil individual de cada empresário e que se considere o regime de tributação aplicável à atividade-fim de cada holding.
Em razão das constantes alterações legislativas, como a tributação de dividendos e as possíveis mudanças no ITCMD, torna-se indispensável o acompanhamento jurídico e contábil contínuo, a fim de garantir que a estrutura permaneça eficiente, atualizada e juridicamente segura.
Vê-se, portanto, que diante de um ambiente regulatório dinâmico e de uma crescente demanda por segurança jurídica, a constituição de holdings surge como uma solução estruturada e inteligente.
Ao conciliar tradição e inovação, esse modelo oferece previsibilidade, estabilidade e mecanismos de governança compatíveis com a complexidade das relações empresariais contemporâneas.
A eficácia dessa estrutura depende de uma assessoria jurídica e contábil integrada, capaz de transformar conceitos legais em soluções práticas, sob medida e alinhadas aos valores e objetivos de cada empresário ou grupo empresarial.
André Martins
Sócio, Advogado e Consultor Jurídico
Silva Vitor, Faria & Ribeiro | Sociedade de Advogados