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AVANÇOS LEGISLATIVOS NA PRÁTICA CONTRATUAL BRASILEIRA

By 16 de dezembro de 2025No Comments

A recente evolução legislativa no âmbito do Direito Processual Civil brasileiro reflete um movimento consistente de adequação do ordenamento jurídico às transformações tecnológicas e às novas dinâmicas contratuais. Nesse contexto, destacam-se duas alterações relevantes promovidas pelas Leis nº 14.620/2023 e nº 14.879/2024, que impactam diretamente a formalização de contratos eletrônicos e a validade das cláusulas de eleição de foro.

1. A dispensa de testemunhas nos contratos eletrônicos e a eficácia executiva

Com a entrada em vigor da Lei nº 14.620/2023, foi incluído o parágrafo 4º ao artigo 784 do Código de Processo Civil, introduzindo relevante inovação quanto aos requisitos formais dos títulos executivos extrajudiciais constituídos por meio eletrônico.

Tradicionalmente, o inciso III do artigo 784 do CPC reconhece como título executivo extrajudicial o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas.

Contudo, a nova redação passou a admitir expressamente a dispensa das testemunhas quando o contrato for celebrado eletronicamente, desde que utilizada assinatura eletrônica e que a integridade do documento seja assegurada, nos termos da legislação vigente.

Nos termos do dispositivo legal:

“Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:

(…)

§ 4º Nos títulos executivos constituídos ou atestados por meio eletrônico, é admitida qualquer modalidade de assinatura eletrônica prevista em lei, dispensada a assinatura de testemunhas quando sua integridade for conferida por provedor de assinatura.”

A alteração legislativa esclarece que a ausência de testemunhas, nesses casos, não compromete a força executiva do instrumento contratual, desde que observados os requisitos de autenticidade, integridade e rastreabilidade do documento eletrônico.

Portanto, a formalidade da assinatura de 2 (duas) testemunhas em documento particular deixa de ser elemento essencial para a caracterização do título executivo extrajudicial em contratos eletrônicos formalizados com segurança jurídica comprovada.

Trata-se de avanço significativo, que confere maior celeridade e compatibilidade às práticas contratuais contemporâneas, sem afastar a necessária proteção à confiabilidade dos atos jurídicos.

2. A reformulação da cláusula de eleição de foro e o combate ao “juízo aleatório”

Em complemento a esse processo de modernização, a Lei nº 14.879/2024 promoveu alterações substanciais no artigo 63 do Código de Processo Civil, responsável por disciplinar a eleição de foro pelas partes. Vejamos abaixo o dispositivo legal:

“Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.

§ 1º A eleição de foro somente produz efeito quando constar de instrumento escrito, aludir expressamente a determinado negócio jurídico e guardar pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação consumerista, quando favorável ao consumidor.

(…)

§ 5º O ajuizamento de ação em juízo aleatório, entendido como aquele sem vinculação com o domicílio ou a residência das partes ou com o negócio jurídico discutido na demanda, constitui prática abusiva que justifica a declinação de competência de ofício”. 

A nova redação passou a exigir, cumulativamente, que a cláusula de eleição de foro: (i) conste de instrumento escrito; (ii) esteja expressamente vinculada a determinado negócio jurídico; e (iii) guarde pertinência com o domicílio ou a residência de uma das partes ou com o local da obrigação, ressalvada a pactuação em matéria consumerista quando favorável ao consumidor.

Além disso, o legislador buscou coibir a prática do chamado “foro de conveniência” ou “juízo aleatório”, ao prever expressamente a incompetência territorial, quando o ajuizamento de ação for pautado em foro contratual estabelecido sem qualquer vínculo com as partes ou com o negócio jurídico.

A norma também reforça o controle judicial da abusividade da cláusula de foro, permitindo seu reconhecimento de ofício pelo Magistrado antes da citação e impondo ao réu, após citado, o ônus de alegar a abusividade na contestação, sob pena de preclusão.

As alterações introduzidas pelas Leis nº 14.620/2023 e nº 14.879/2024 evidenciam uma preocupação legislativa em equilibrar a autonomia privada com a boa-fé objetiva, a transparência contratual e o efetivo acesso à justiça. Ao mesmo tempo em que se flexibilizam formalidades incompatíveis com a realidade digital, reforçam-se critérios de pertinência e racionalidade na eleição de foro, evitando distorções que possam gerar desequilíbrio processual.

Para a prática contratual, especialmente no ambiente empresarial e digital, tais mudanças representam maior previsibilidade jurídica e alinhamento com padrões tecnológicos já consolidados, exigindo, contudo, atenção redobrada na elaboração e revisão dos instrumentos contratuais.

Para mais informações, recomenda-se a consulta a assessoria jurídica especializada.

Por Fabiana Molinero Marzano, advogada e consultora na Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados