Uma Análise dos Riscos e Prejuízos para o Setor de Telecomunicações
1. Introdução
O cenário do compartilhamento de infraestrutura no Brasil, vital para a expansão e a qualidade dos serviços de telecomunicações, encontra-se em um momento de grande tensão. A Copel Distribuição S.A. introduziu um novo modelo de Contrato de Compartilhamento de Pontos de Fixação em Postes e um Termo de Rescisão de Contrato que, segundo uma análise detalhada, impõem condições extremamente desfavoráveis às empresas de telecomunicações.
É fundamental compreender que os documentos apresentados pela Copel configuram-se como “contratos de adesão”, onde não há margem para negociação. Imagine que você vai a um restaurante e o menu já vem com todas as suas escolhas pré-determinadas, sem que você possa mudar nada. Você só pode aceitar o menu completo ou ir embora. Da mesma forma, a Copel apresenta termos que não permitem qualquer negociação; as empresas são forçadas a aceitar ou rejeitar um pacote de cláusulas que, em sua maioria, visam proteger os interesses da Copel em detrimento da saúde operacional e financeira dos provedores de internet e telecomunicações.
A imposição desses instrumentos, acompanhada de relatos de pressão e ameaças, busca compelir as empresas a rescindir contratos vigentes para aderir a um novo regime de regras, valores e obrigações. Este contexto é fundamental para entender a gravidade das alterações propostas.
2. As Alterações Prejudiciais Impostas pela Copel
As mudanças introduzidas pela Copel, tanto no Termo de Rescisão quanto na nova minuta do Contrato de Compartilhamento, representam um retrocesso significativo para o setor, criando um ambiente de insegurança jurídica e onerosidade excessiva para as empresas de telecomunicações.
2.1. O Termo de Rescisão: Uma Armadilha Jurídica
O Termo de Rescisão, apresentado pela Copel como um acordo mútuo para a substituição do contrato original por um novo, é, na verdade, uma verdadeira armadilha. Suas cláusulas são projetadas para anular direitos e pleitos passados das empresas, blindando a Copel contra futuras contestações.
- Renúncia Total a Direitos e Reclamações Anteriores: A cláusula mais perigosa deste termo é a que estabelece uma “quitação integral” de todas as obrigações passadas. Isso significa que, ao assinar, a empresa está, na prática, abrindo mão de qualquer direito ou reclamação que possa ter contra a Copel referente ao período anterior. É como se você assinasse um documento dizendo que não tem mais nada a reclamar, mesmo que descubra depois que foi cobrado a mais, teve serviços cortados indevidamente ou sofreu prejuízos por falhas da Copel. O objetivo claro da Copel é neutralizar qualquer ação judicial ou administrativa que já esteja em andamento ou que possa surgir no futuro, evitando reembolsos e pagamentos devidos às empresas.
- Impedimento de Buscar Indenizações Futuras: O termo exige que as empresas renunciem a qualquer valor adicional ou indenização que não esteja explicitamente previsto no contrato original. Isso impede, por exemplo, que uma empresa busque compensação por investimentos que fez em infraestrutura ou por danos materiais e morais causados por ações indevidas da Copel, como desmobilizações ou cortes de rede. Essa exigência entra em conflito direto com o direito fundamental de acesso à justiça, tornando a cláusula potencialmente nula.
- Negociação de Dívidas com Risco de Título Executivo: A Copel pode tentar atrair as empresas com a promessa de negociar dívidas pendentes em troca da assinatura do novo contrato. No entanto, a análise alerta para um risco grave: ao assinar, a empresa pode estar transformando uma dívida que talvez fosse contestável em um “título executivo”. Isso significa que a Copel poderia ir diretamente à justiça para cobrar essa dívida, sem precisar provar sua origem ou validade, como se fosse um cheque em branco.
- Confissão de Multas Abusivas e Discriminação Velada: O próprio termo, ao prever uma suposta redução de penalidades, acaba por admitir que as multas anteriores (de 100x e 250x o valor do ponto) eram arbitrárias e tinham um caráter mais arrecadatório do que educativo.
- Cláusula de Sigilo Desproporcional: O termo impõe uma obrigação de sigilo absoluto sobre seus termos, mesmo após a rescisão. Essa cláusula é preocupante porque pode impedir que as empresas busquem apoio legal, consultoria ou até mesmo compartilhem informações legítimas com associações do setor ou órgãos reguladores. É uma tentativa de isolar as empresas e dificultar a busca por soluções coletivas ou a mitigação de prejuízos.
2.2. O Novo Contrato de Compartilhamento: Agravamento das Condições
A nova minuta do Contrato de Compartilhamento, por sua vez, não apenas mantém as condições desfavoráveis, mas as agrava, introduzindo uma série de penalidades e restrições que tornam a operação das empresas de telecomunicações ainda mais precária. A análise é categórica: a situação piorou drasticamente, com um aumento exponencial nos valores das multas que a Copel poderá aplicar.
2.3. Penalidades e Sanções Exorbitantes:
- Multas por Ocupação Irregular: Mesmo com a “redução” para multiplicadores entre 6x e 30x em alguns casos, o contrato permite dobrar a multa em caso de reincidência. E, se a infraestrutura não for removida no prazo estipulado pela Copel, uma multa de 100x o valor do ponto de fixação será aplicada. Isso significa que o custo de uma irregularidade pode se tornar rapidamente impagável.
- Multas de 100x por Diversos Descumprimentos: A Copel criou uma vasta rede de multas de 100x o valor do ponto, cobrindo praticamente todos os aspectos da operação. Desde pequenos problemas técnicos, atrasos em obras, questões de comunicação, até o cumprimento de normas técnicas que a própria Copel altera constantemente.
- Proibição de Subcompartilhamento e Multa de 100%: O contrato proíbe o subcompartilhamento, locação ou empréstimo da infraestrutura sem a prévia autorização da Copel. Essa restrição é ilegal, pois vai contra as regulamentações que incentivam o uso eficiente da infraestrutura. Se a Copel identificar esse tipo de relacionamento (que é comum e permitido no setor), ela pode aplicar uma multa equivalente a 100% do valor mensal que a empresa já paga pelo compartilhamento, efetivamente dobrando o custo. Isso demonstra um claro viés arrecadatório e uma tentativa de controlar as operações das empresas de telecomunicações.
- Multa por Atraso e Não Comparecimentos: Uma multa desproporcional de 100x o valor do ponto de fixação é estabelecida para casos de atraso ou não comparecimento em desligamentos programados ou emergenciais. O irônico é que a própria Copel frequentemente falha em notificar as empresas sobre esses desligamentos, o que pode levar a multas injustas.
- Multa Adicional por Descumprimento Contratual (30%): Como se não bastasse a infinidade de multas específicas, a Copel adicionou uma penalidade geral: uma multa de 30% sobre o valor da última fatura emitida para qualquer descumprimento contratual que não tenha uma penalidade específica. Isso significa que uma mesma infração pode gerar múltiplas penalidades, alimentando ainda mais a “indústria da multa”.
- Conceito de Reincidência Indefinido: A falta de uma definição clara para “reincidência” permite que a Copel decida arbitrariamente quando uma empresa é uma “reincidente”, aplicando penalidades mais severas sem critérios consistentes ou justos.
- Suspensão de Direitos por Inadimplência Arbitrária: A Copel busca dar uma “roupagem legal” a atos que já pratica ilegalmente. A cláusula permite a suspensão dos direitos de compartilhamento (como a impossibilidade de solicitar novos pontos ou expandir a capacidade) por uma mora de apenas 30 dias, sem qualquer processo de comprovação, direito de defesa ou apuração. Isso valida os bloqueios coercitivos que a Copel já impõe através de seu sistema, afetando toda a relação comercial com a empresa.
- Transferência de Responsabilidade por Multas de Terceiros: O contrato permite que a Copel repasse integralmente para as empresas compartilhadoras qualquer multa ou sanção que ela receba de autoridades (como Procons ou municípios), bastando uma simples notificação. Isso é extremamente perigoso, pois a empresa pode ser responsabilizada por multas que não causou diretamente ou sem ter tido a chance de se defender.
- Vigência do Contrato e Resilição Arbitrária: O contrato mantém a vigência de 12 meses, mas a Copel se reserva o direito de rescindir o contrato a qualquer momento. Isso é um absurdo, pois a Copel tem a obrigação legal de permitir o compartilhamento de sua infraestrutura. Essa cláusula é uma tentativa de impor rescisões sem fundamento, sem garantir um prazo razoável para a remoção das redes ou qualquer tipo de indenização pelos investimentos feitos ou pela interrupção forçada do serviço. Isso gera uma enorme instabilidade para as empresas.
- Multa Adicional pela Rescisão: Mesmo que a Copel decida rescindir o contrato por supostos descumprimentos (cujos critérios ficam a seu critério), ela prevê uma multa adicional de 20% sobre o valor da última fatura.
- Insegurança Jurídica na Regularização Técnica: O contrato não garante a possibilidade de regularizar ocupações que não foram previamente aprovadas, mesmo que sejam tecnicamente seguras. Isso deixa os provedores em uma situação vulnerável, sujeitos a multas mesmo quando suas instalações estão em conformidade técnica.
- Exclusão da Responsabilidade da Copel: A Copel se exime de responsabilidade por danos na rede da empresa solicitante, mesmo quando ela própria realiza intervenções. Apenas se exime se não houver “dolo ou culpa exclusiva” da Copel, o que transfere indevidamente o risco e a responsabilidade para os provedores.
- Inexistência de Contraprestações ou Garantias Mínimas: O contrato não estabelece prazos ou obrigações para a própria Copel em relação a aprovações, análises de projeto ou intervenções. Isso cria um desequilíbrio, pois as empresas são submetidas a prazos rigorosos, enquanto a Copel pode demorar o tempo que quiser, gerando gargalos e atrasos sem consequências para ela.
- Interferência na Transferência de Contratos e Ativos: A Copel exige participar previamente de qualquer operação de transferência de contratos ou ativos (como venda, fusão ou cisão de uma empresa), agindo como uma espécie de “validadora”. Além disso, tem vetado transferências parciais de pontos entre empresas, o que é uma intromissão indevida na livre iniciativa e no direito privado das empresas de telecomunicações.
- Força de Título Executivo: O contrato foi dotado de força de “título executivo extrajudicial”. Isso significa que a Copel pode ir diretamente à justiça para cobrar multas e valores, sem a necessidade de um processo administrativo detalhado ou a chance de defesa prévia por parte da empresa.
- Cláusula de “Preços e Condições Justos e Razoáveis”(Uma Ironia): A inclusão de uma cláusula que afirma que as partes reconhecem os preços e condições como “justos e razoáveis” é, no mínimo, irônica. O contrato foi imposto sem negociação, não especifica os preços na cláusula de valores e não houve qualquer discussão sobre índices ou bases de cálculo. É uma ficção jurídica que tenta legitimar um acordo unilateral.
- Cobrança Além do Ponto de Fixação (Cabo Drop): A Copel tenta, através do novo contrato, legitimar a cobrança pelo uso de cabos drop, fibras ópticas e cordoalhas, além do ponto de fixação. As regulamentações permitem a cobrança apenas pelo ponto de fixação. Essa é uma tentativa de aumentar a receita cobrando por algo que deveria estar incluído ou já é coberto pelo valor do ponto.
3. Considerações finais
Diante das condições detalhadas e das implicações das cláusulas apresentadas, a análise dos instrumentos contratuais revela um cenário de desequilíbrio significativo na relação entre as partes. As alterações propostas, ao ampliarem as penalidades e imporem obrigações mais onerosas, tendem a agravar as condições operacionais e financeiras das empresas de telecomunicações.
A adesão a esses documentos implicaria na renúncia a direitos previamente estabelecidos e na submissão a um regime de multas e obrigações que se mostram desproporcionais. Tal cenário poderia resultar em impactos financeiros e operacionais substanciais, com consequências potencialmente irreversíveis para as empresas do setor.
Portanto, recomenda-se a não assinatura da nova minuta do contrato de compartilhamento e do termo de rescisão propostos. As empresas devem formalizar sua discordância através dos canais apropriados. Esta documentação da recusa poderá servir como evidência importante para eventuais discussões com órgãos reguladores ou em instâncias judiciais, especialmente se identificados atos coercitivos praticados pela Copel.
Thiago da Silva Chaves
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio da Silva Vitor, Faria & Ribeiro – Sociedade de Advogados