A Reforma Trabalhista, sancionada pela Lei nº 13.467/2017, representou uma das maiores alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em décadas. Seu objetivo principal era modernizar as relações de trabalho, buscando aumentar a flexibilidade e reduzir a rigidez das normas trabalhistas, com a promessa de promover a geração de empregos e o fortalecimento da economia. Entre as diversas modificações implementadas pela reforma, destacou-se a introdução de mecanismos que possibilitariam maior negociação entre patrões e empregados, bem como o fortalecimento de acordos individuais, limitando a interferência da legislação sobre o conteúdo dos contratos de trabalho.
Em novembro de 2024, o Tribunal Superior do Trabalho emitiu decisão importante que amplia o alcance da Reforma Trabalhista. O Tribunal Superior do Trabalho decidiu que as mudanças promovidas pela reforma podem ser aplicadas também aos contratos de trabalho firmados antes da sanção da lei, firmando a seguinte tese:
“A lei nº 13.467/17 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei, cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir da sua vigência.”
Esse entendimento está gerando debates significativos sobre os limites da retroatividade das novas normas e seus impactos para os trabalhadores e empregadores. Este artigo busca analisar a reforma trabalhista de 2017, a recente decisão do TST e as implicações dessa nova interpretação para o Direito do Trabalho brasileiro.
O direito intertemporal no direito do trabalho trata das questões que surgem quando há mudanças legislativas e se questiona como essas novas regras afetam contratos de trabalho existentes. Esse conceito é importante para garantir uma transição justa entre regimes jurídicos, respeitando os direitos adquiridos e as situações consolidadas.
Esse tema se destaca quando se trata de alterações de leis, como a Reforma Trabalhista de 2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A principal dúvida é se as novas normas se aplicam a contratos firmados antes da reforma, ou se esses contratos devem seguir a legislação anterior.
O princípio do direito adquirido, garante que situações jurídicas consolidadas sob a legislação anterior sejam respeitadas, sem retroceder ou modificar esses direitos. No entanto, com a Reforma Trabalhista, houve discussões sobre a aplicação das novas regras aos contratos antigos, permitindo que mudanças fossem feitas, desde que não houvesse redução de direitos.
A interpretação do direito intertemporal também depende da natureza da norma alterada. Se a mudança envolver normas de ordem pública, que protejam direitos irrenunciáveis, ela tende a se aplicar apenas aos novos contratos. Se for sobre aspectos mais flexíveis, como acordos entre as partes, as novas regras podem ser aplicadas também aos contratos existentes.
Em 25 de novembro de 2024, o Tribunal Superior do Trabalho deliberou que as disposições da Reforma Trabalhista de 2017 podem ser aplicadas aos contratos de trabalho firmados antes da entrada em vigor da lei. Esta decisão contrariou a interpretação anterior que defendia a aplicação exclusiva das novas normas para contratos realizados após a sanção da reforma.
A decisão do TST se baseou na ideia de que as normas de natureza processual podem ser aplicadas retroativamente, desde que não prejudiquem direitos adquiridos pelos trabalhadores. Assim, foi concluído que as modificações introduzidas pela reforma, como as que envolvem a negociação individual, o trabalho intermitente e as alterações nos processos trabalhistas, podem ser estendidas a contratos firmados antes de 2017, desde que respeitados os direitos já consolidados dos empregados.
Essa interpretação gerou reações tanto de apoio quanto de crítica. De um lado, os empregadores veem a medida como uma oportunidade para flexibilizar ainda mais as relações de trabalho, aproveitando as novas normas em vigor. Do outro lado, os sindicatos e defensores dos direitos trabalhistas temem que a aplicação retroativa da reforma prejudique a proteção ao trabalhador, que não teve a possibilidade de negociar as novas condições de trabalho à luz da reforma.
A decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) de aplicar as disposições da Reforma Trabalhista de 2017 a contratos anteriores traz implicações importantes para empregadores, trabalhadores e o sistema judiciário.
Para os empregadores, isso proporciona mais flexibilidade, possibilitando ajustar contratos antigos às novas normas, como o contrato intermitente e a flexibilização da carga horária. Apesar dessa possibilidade de ajustes, é certo que a reforma ainda estabelece restrições para garantir que os direitos dos trabalhadores não sejam prejudicados.
Para os trabalhadores, a adoção das novas normas pode trazer um certo receio, já que mudanças podem ser feitas sem uma negociação prévia. A flexibilidade nas negociações individuais pode enfraquecer a proteção histórica da CLT, permitindo que condições de trabalho menos favoráveis sejam aplicadas sem a garantia de acordos ou negociações coletivas que assegurem seus direitos.
Para o sistema judiciário, a decisão pode resultar em aumento de litígios trabalhistas, já que o TST terá de lidar com disputas sobre a adaptação de contratos antigos às novas normas.
Em resumo, a decisão do TST amplia a flexibilidade da reforma trabalhista, mas também gera desafios para garantir que as mudanças sejam implementadas de forma equilibrada, sem comprometer direitos fundamentais dos trabalhadores e sem sobrecarregar o sistema judiciário com um aumento de disputas trabalhistas.
O processo julgado, que ensejou a decisão, foi classificado como recurso repetitivo (tema 23), o que significa que a decisão tem efeito vinculante para toda a Justiça do Trabalho. A Corte estabeleceu a seguinte tese:
“A lei nº 13.467/17 possui aplicação imediata aos contratos de trabalho em curso, passando a regular os direitos decorrentes de lei, cujos fatos geradores tenham se efetivado a partir da sua vigência.”
O relator, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, defendeu que a aplicação imediata da Reforma Trabalhista aos contratos de trabalho em vigor é amparada pela LINDB e pela CLT, ressaltando que não há direito adquirido a um regime jurídico específico. Ele argumentou que a nova legislação modifica o regime jurídico imperativo das relações de trabalho, podendo ser alterada por leis subsequentes. O ministro também destacou que o princípio da irredutibilidade salarial protege o valor nominal das parcelas permanentes, mas não os benefícios variáveis.
O revisor, ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, concordou, mas afirmou que direitos pessoais já consumados, como gratificações incorporadas ao salário, são protegidos contra alterações. Ele argumentou que, embora os direitos adquiridos não possam ser afetados, as normas de ordem pública têm aplicação imediata.
O relator foi apoiado por diversos ministros, enquanto o ministro Maurício Godinho Delgado discordou, defendendo a preservação dos direitos adquiridos para contratos firmados antes da Reforma Trabalhista, citando a jurisprudência do TST. Essa divergência foi seguida por outros ministros.
A decisão recente do TST de aplicar a Reforma Trabalhista de 2017 aos contratos anteriores à sua entrada em vigor amplia os efeitos da reforma, trazendo novas perspectivas tanto para empregadores quanto para empregados. Embora a decisão tenha sido tomada com base na ideia de que as normas processuais podem ser aplicadas retroativamente, essa interpretação levanta questões sobre os limites da reforma e seus efeitos nas relações de trabalho.
Os trabalhadores podem ver essa medida como um risco para a manutenção de seus direitos, enquanto os empregadores podem se beneficiar de maior flexibilidade nas condições de trabalho. A situação exigirá atenção contínua dos órgãos reguladores e do Judiciário para garantir que a aplicação da reforma não prejudique os direitos fundamentais dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que promove a modernização das relações de trabalho no Brasil.
Laura Pereira de Souza
Advogada e Consultora Jurídica
Advogada Trabalhista da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados
Conteúdo de responsabilidade da SECOM – Secretaria de Comunicação – https://tst.jus.br/-/mudan%C3%A7as-da-reforma-trabalhista-valem-a-partir-de-sua-vig%C3%AAncia-para-contratos-em-curso Acesso em 30/11/2024.
Calcini advogados. TST: Reforma trabalhista é aplicável a contratos anteriores a ela. https://www.migalhas.com.br/quentes/420449/tst-reforma-trabalhista-e-aplicavel-a-contratos-anteriores-a-ela Acesso em 30/11/2024.
Gualtar, Marianna e AGUIAR, Adriana. TST decide que reforma trabalhista deve ser aplicada a contratos anteriores a sua vigência. https://www.jota.info/tributos-e-empresas/trabalho/tst-decide-que-reforma-trabalhista-deve-ser-aplicada-a-contratos-anteriores-a-sua-vigencia Acesso em 30/11/2024.
CALCINI, Ricardo. Pleno do TST chancela aplicação imediata da reforma trabalhista. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2024-nov-28/pleno-do-tst-chancela-aplicacao-imediata-da-reforma-trabalhista/ Acesso em 30/11/2024.
CATEGORIAS
ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES