O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) promoveu uma das mais relevantes mudanças interpretativas de sua história ao atualizar o seu Manual de Marcas, passando a admitir o registro de expressões publicitárias e slogans como marcas.
A atualização, incorporada ao item 5.9.4 do Manual de Marcas[1], representou um avanço na harmonização do sistema brasileiro de propriedade industrial com as práticas internacionais e corrigiu um distanciamento histórico entre o Brasil e os principais escritórios de propriedade intelectual do mundo, como o European Union Intellectual Property Office (EUIPO) e o United States Patent and Trademark Office (USPTO).
A alteração interpretativa tem base no artigo 124, inciso VII, da Lei da Propriedade Industrial – LPI (Lei nº 9.279/1996), que veda o registro de “sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda”. Historicamente, essa norma sempre foi aplicada de modo restritivo, levando o INPI a indeferir os pedidos de registro de slogans, sob o argumento de que seriam sinais de natureza meramente promocional, incapazes de exercer a função distintiva essencial à marca. A nova diretriz interpretativa, contudo, estabelece que o indeferimento com base nesse dispositivo legal somente ocorrerá quando o sinal, de forma cumulativa, exercer exclusivamente função de propaganda e for incapaz de exercer função distintiva.
Essa mudança de paradigma reflete um retorno às origens da proteção das expressões de propaganda no Brasil. Sob a égide da antiga Lei nº 5.772/71, que precedeu a Lei de Propriedade Industrial – LPI, o registro de elementos de propaganda era amplamente admitido no território brasileiro, desde que o solicitante exercesse atividade lícita[2].
A transição para o novo marco normativo (LPI), em 1996, restringiu essa possibilidade e conferiu ao INPI discricionariedade para avaliar se o sinal era “empregado apenas como meio de propaganda”. Desde então, prevaleceu uma postura que inviabilizava, na prática, o registro de slogans.
Essa restrição fazia com que a tutela das expressões de propaganda dependesse, quase que exclusivamente, de ações judiciais com fundamento no art. 195, IV, da LPI, que buscavam coibir a concorrência desleal, um caminho incerto e incapaz de oferecer segurança jurídica ou exclusividade sólida sobre slogans distintivos.
A nova diretriz do INPI, portanto, não apenas amplia a proteção das marcas, mas também corrige um déficit normativo e prático que perdurou por quase três décadas.
A partir dessa atualização de interpretação, slogans e expressões de propaganda passam a ser registráveis sempre que, embora tenham natureza promocional, também desempenhem função distintiva, ou seja, sejam capazes de identificar e diferenciar a origem empresarial dos produtos ou serviços.
Assim, expressões como “Abra a felicidade” (da Coca-Cola) e “Tomou Doril, a dor sumiu” (da marca Doril) são agora consideradas aptas ao registro, pois transmitem mensagem sugestiva e simbólica que permite ao consumidor reconhecê-las como elemento identificador da marca.
Em contrapartida, continuam irregistráveis expressões genéricas e de uso comum no meio publicitário, tais como “Aproveite nossas ofertas”, “Tudo barato todo dia” ou “O melhor sapato do Brasil”. Tais sinais carecem de originalidade e são desprovidos de distintividade, pois descrevem diretamente as qualidades do produto ou as condições de oferta, sem permitir a associação com uma empresa específica.
O novo Manual de Marcas também adota uma postura mais cuidadosa ao avaliar o conjunto marcário como um todo. O examinador deverá considerar o impacto visual e semântico da expressão, a combinação entre elementos verbais e figurativos, bem como o contexto de uso. Essa abordagem contextualizada visa evitar o engessamento interpretativo que antes levava ao indeferimento automático de qualquer expressão publicitária, pelo INPI.
Importante observar que o novo entendimento beneficia não apenas os pedidos futuros, mas também pedidos pendentes ou aqueles ainda em grau recursal. Isso significa que slogans anteriormente indeferidos, que se encontrem ainda sob a pendência de recurso, por se enquadrarem no art. 124, VII, da LPI poderão ser reavaliados à luz das novas diretrizes, garantindo tratamento mais justo e alinhado às práticas internacionais.
Ainda que a mudança traga ganhos evidentes em termos de segurança jurídica e estímulo à inovação, ela também impõe novos desafios ao mercado publicitário. A possibilidade de registro e de exclusividade sobre slogans exigirá das empresas maior cautela e investimento em pesquisas de anterioridade, a fim de evitar conflitos marcários e eventuais violações.
Outro ponto de atenção é a subjetividade inevitável na avaliação da distintividade de um slogan, a ser realizada pelo INPI. Isso pois, a análise do grau de originalidade e da capacidade distintiva dependerá do juízo interpretativo do examinador.
O próprio Manual exemplifica essa dificuldade ao considerar registrável a expressão “O futuro é agora”, por combinar propaganda e originalidade em contexto tecnológico, mas irregistrável o slogan “Cuidando de você”, por ser este considerado meramente promocional.
Essa natureza interpretativa pode aumentar o número de questionamentos administrativos e judiciais, exigindo do INPI estrutura técnica e uniformização de critérios, para evitar decisões discrepantes.
De todo modo, a mudança promovida pelo INPI constitui avanço histórico na proteção da propriedade intelectual no Brasil. Ao admitir o registro de slogans como marcas, o Instituto reconhece o valor estratégico das expressões publicitárias na construção da identidade corporativa e na diferenciação mercadológica. Essa medida aproxima o país das práticas internacionais, fortalece o ambiente de negócios e confere maior previsibilidade e proteção aos investimentos em comunicação de marca.
Portanto, a nova interpretação do art. 124, VII, da LPI representa um marco de modernização da política de propriedade industrial brasileira. Se, de um lado, amplia o alcance da proteção marcária e reforça o reconhecimento jurídico da criatividade publicitária, de outro impõe o desafio de equilibrar segurança jurídica e liberdade criativa.
O futuro dessa mudança dependerá, em grande medida, da maturidade técnica do INPI e da capacidade do setor produtivo e criativo de adaptar-se a essa nova realidade, em que a fronteira entre marca e propaganda se torna, enfim, permeável, dinâmica e reconhecida pelo direito.
Dr. Carlos Prates Couto
Advogado e Consultor Jurídico da Silva Vitor, Faria & Ribeiro | Sociedade de Advogados
[1]https://manualdemarcas.inpi.gov.br/projects/manual/wiki/5%C2%B709_An%C3%A1lise_do_requisito_de_distintividade_do_sinal_marc%C3%A1rio#594-Sinal-que-exerce-fun%C3%A7%C3%A3o-de-propaganda
[2] Art. 73. Entende-se por expressão ou sinal de propaganda toda legenda, anúncio, reclame, palavra, combinação de palavras, desenhos, gravuras, originais e característicos que se destinem a emprego como meio de recomendar quaisquer atividades lícitas, realçar qualidades de produtos, mercadorias ou serviços, ou a atrair a atenção dos consumidores ou usuários.
1º Pode requerer o registro de expressão ou sinal de propaganda todo aquele que exercer qualquer atividade lícita.
2º As expressões ou sinais de propaganda podem ser usados em cartazes, tabuletas, papéis avulsos, impressos em geral ou em quaisquer meios de comunicação.