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Os Obstáculos Impostos pela Comissão (ANATEL/ANEEL) nos Processos de Resolução de Conflitos

By 14 de fevereiro de 2019fevereiro 26th, 2025No Comments

Entre 1997 a 2014 o mercado aguardou ansiosamente por uma Resolução para dirimir o que seria justo e razoável em relação ao preço cobrado por ponto de fixação. E foi justamente para sanar esta lacuna que foi publicada a Resolução Conjunta ANATEL e ANEEL nº 004/2014, que criou o preço de referência (R$ 3,19) por ponto de fixação.

Ocorre que a Res. 004/2014 não foi automaticamente adotada pelas Cias de Energia, eis que a referida norma privilegiou a livre negociação entre as partes envolvidas e determinou que o preço de referência seria aplicado em caso de instauração de processos de resolução de conflitos, perante a Comissão Conjunta de Resolução de Conflitos formada pela ANATEL, ANEEL e ANP.

Diante disso, e considerando que as Cias de Energia se negaram a aplicar voluntariamente o referido preço, a Comissão recebeu uma avalanche de processos arbitrais, todos solicitando a aplicação do preço de referência na relação contratual já formalizada ou a formalizar.

A Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados ajuizou mais de 150 processos de resolução de conflitos perante a referida Comissão, entre 2015 e 2018. Isto porque, nós acreditávamos na Comissão, e também, porque entendíamos (e ainda entendemos) que a norma que instituiu o preço de referência é extremamente clara, de modo que não seria possível a criação de nenhum subterfúgio, seja pela Comissão, seja pelas Cias de Energia, para negar ou minimizar a aplicação do preço de referência.

Até o mês de junho/2018, ainda acreditávamos que a Comissão, mesmo diante de todas as dificuldades enfrentadas, poderia trazer a pacificação na adoção de preços justos e razoáveis. Infelizmente não temos mais essa esperança.

Apesar da demora absurda no julgamento dos processos, ressalto que os primeiros processos julgados pela Comissão tomando como fundamento a Res. 004/2014 foram um alento para o setor. No entanto, com o passar do tempo, e visto que cada dia mais se aumentava o número de empresas de telecomunicações interessadas em obter o preço de referência, a Comissão passou a mudar constantemente o entendimento aplicado aos processos, e pior, passou a retardar ainda mais o julgamento dos processos e criar vários obstáculos.

Na atual conjuntura, já ocorreram diversos julgamentos improcedentes por parte da Comissão, sem a detida análise que se espera. E pior, em notória contradição com decisões já proferidas pela própria Comissão em situações extremamente similares.

Contra esta demora processual, a Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados já ajuizou diversos mandados de segurança contra a Comissão, visando obter o julgamento de processos parados há meses.

E, paralelamente, as Cias de Energia sequer respeitam a decisão proferida pela Comissão. O que tem motivado várias a empresas a ingressar com medidas judiciais visando compelir as Cias de Energia a cumprir a decisão já obtida no âmbito da Comissão.

Logo, mesmo que deferida a aplicação do preço de referência, na prática, várias empresas de telecomunicações que acionaram a Comissão e obtiveram decisão favorável continuam pagando preços absurdos, e aguardando o cumprimento da decisão pelas Cias de Energia.

Portanto, atualmente, no nosso entendimento, ingressar com processo de resolução de conflitos perante a Comissão Conjunta de Resolução de Conflitos (formada pela ANATEL e ANEEL) é o mesmo que “ENXUGAR GELO”. Não haverá solução definitiva (eis que a decisão tem se limitado a 01 ciclo contratual) e não há efetividade (eis que várias empresas têm ajuizado ações para obrigar as Cias de Energia a cumprir a decisão proferida pela Comissão).

Vejamos abaixo um rol exemplificativo das dificuldades enfrentadas nos processos arbitrais, bem como as dificuldades enfrentadas perante a oposição das Cias de Energia Elétrica:

 

  1. Para ingressar com a ação e para que seja aplicado o preço, a Comissão criou entendimento de que a tentativa de negociação apenas pode ser feita na janela de negociação, geralmente 60 (sessenta) dias antes do término do contrato. Ou seja, empresas que renovaram o contrato devem aguardar a próxima janela para poder acionar a Comissão. Porém, anteriormente, a Comissão aplicava o preço de referência para o próximo ciclo mesmo que apresentada ação em ciclo contratual anterior. Isto não ocorre mais;

 

  1. As primeiras decisões proferidas pela Comissão não tinham limitador temporal. Ou seja, a Comissão determinava a aplicação do preço de referência a partir de uma determinada data (inclusive retroativamente, em muitos casos, a depender da data de renovação ou assinatura do contrato), mas não estabelecia qualquer data limite para sua aplicação. Atualmente, todavia, a Comissão determina quando começa a aplicação do preço e quando terminará;

 

  1. A Comissão passou a aplicar um entendimento que prejudica a continuidade destas ações arbitrais. O preço apenas pode ser aplicado em um ciclo contratual, e todas as tentativas de negociação devem ser feitas antes do aniversário contratual, respeitando os prazos de notificações prévias. Em um contrato de 5 anos com ciclos de 12 em 12 meses, a Comissão está aplicando o preço apenas para um ciclo de 12 meses, e presumindo que as partes podem negociar os demais ciclos, como se houvesse tamanha abertura neste sentido para a formalização de um nítido contrato de adesão;

 

  1. Os novos entendimentos fazem com que ocorra um verdadeiro ciclo vicioso, sem fim. Para cada ciclo ou prazo de vigência contratual (dependo da forma de contratação) a empresa tem que ingressar com novo processo de resolução de conflitos (fazendo todos os procedimentos de notificação). Já existem empresas que ingressaram com 02 ou até 03 ações para almejar a aplicação do preço e ainda não tiveram o julgamento da primeira demanda;

 

  1. E para contratos que não possuem previsão de multa em caso de rescisão contratual, a Comissão tinha o entendimento de que o preço de referência poderia ser aplicado a qualquer momento, eis que a qualquer momento a rescisão contratual poderia ser feita sem qualquer ônus. Isto não ocorre mais;

 

  1. A comissão nunca apreciou os pedidos cautelares para aplicação imediata do preço de referência. Certa vez ingressamos com um mandado de segurança para que fosse apreciado o pedido cautelar, e o Juiz deferiu a liminar compelindo a Comissão a julgar o pedido cautelar. Era um caso de extrema urgência, eis que a empresa necessitava do compartilhamento. O que ocorreu? A Comissão, com fundamentos totalmente esdrúxulos, resolveu indeferir o pedido cautelar. E em notória retaliação, a Comissão retardou em quase 03 anos o julgamento do processo. Neste ínterim, a empresa, para não ser prejudicada, assinou um contrato de quase R$10,00 (dez reais) por ponto de ocupação. E o que ocorreu? Depois de 03 anos, a Comissão julgou improcedente o pedido, entendendo que a empresa poderia negociar com a Distribuidora de Energia. Resultado: não aplicou o preço de referência;

 

  1. Atualmente, é extremamente elevado o tempo que a Comissão leva para julgar os processos. E diante desta demora foram ajuizados vários mandados de segurança para a Comissão julgar os processos paralisados, sejam aqueles pendentes da primeira decisão e/ou aqueles pendentes da decisão acerca do pedido de reconsideração. Chegamos a criar procedimentos híbridos (mescla de processo arbitral e ações judiciais);

 

  1. Algumas decisões proferidas pela ANATEL estão repletas de lacunas regulatórias. Ou seja, quando proferida a decisão pela Comissão, o prazo para notificação em relação ao próximo ciclo já se esvaiu, e, no entanto, as decisões da Comissão não têm abarcado tal período, mesmo sendo proferidas na vigência do novo ciclo. O que torna impossível questionar, no âmbito da Comissão, os ciclos descobertos.

 

  1. Estão sendo proferidas decisões negativas sem considerar as questões inerentes ao preço. A Comissão chegou ao absurdo desconsiderar a aplicação do preço de referência atualizado (cerca de R$ 3,90) para um contrato com preço de R$ 4,64 por ponto, pois entendeu que o preço estaria próximo ao preço de referência. O que demonstra que a Comissão está também negando vigência à norma em vigor. Isto sem contar que a Comissão desconsiderou a economia almejada pela empresa no bojo do processo, ou seja, não foi verificado que a empresa possui 15.337 pontos de fixação. Nesse sentido, a economia mensal almejada era de R$12.883,08, e dentro de um ano estamos falando de uma economia de R$154.596,96;

 

  1. Várias empresas que instauraram o processo de resolução de conflitos e tiveram os contratos finalizados enquanto pendia análise da Comissão, passaram a não ter mais projetos aprovados. Essa faceta é implementada para compelir as empresas a assinarem novo contrato, fazendo com que o processo seja frustrado mediante a suposta negociação realizada entre as partes com o acerto de novo contrato. Ou seja, as empresas, ao longo do processo, são compelidas a assinarem novos contratos de compartilhamento devido a imposição de bloqueios de projetos, o que acaba prejudicando os processos em andamento. Enquanto isso, a Comissão se nega a apreciar os pedidos cautelares para que seja aplicado o preço de referência enquanto pende análise do processo arbitral.

 

  1. No decorrer do processo, as empresas são compelidas pela Comissão a confessar ocupação irregular, como se o objeto deste processo fosse a regularização de rede. O objeto do processo arbitral é apenas a aplicação do preço de referência. Não somos a favor de ocupação de irregular. Todavia, a Comissão não pode advogar para as Cias de Energia Elétrica ao compelir as empresas a regularizar a rede sob um processo que não pode adentrar neste mérito.

 

  1. Após deferido o preço pela Comissão, inicia-se um novo calvário pelas empresas de telecomunicações para fazer o cumprimento da decisão aplicada pela Comissão. Algumas empresas têm ingressado com ação de obrigação de fazer (espécie de cumprimento provisório da decisão), enquanto pende o julgamento do pedido de reconsideração;

 

  1. Algumas Cias de Energia chegaram a suspender o faturamento das empresas que já obtiveram a decisão da Comissão, mas, veja que está sendo criado um novo problema: – Como será retomado o faturamento? Haverá cobrança de juros e correções para valores não faturados?

 

  1. E após proferida a decisão do pedido de reconsideração, e considerando que várias Cias de Energia se negam a cumprir voluntariamente a decisão, diversas operadoras de telecomunicações estão sendo obrigadas a interpor na justiça uma ação (execução da decisão arbitral). Isso para cobrar o crédito decorrente da diferença entre o valor pago e o preço de referência, e para fazer com que seja feita a assinatura de novo contrato com a emissão de faturas contemplando o preço de referência. A Comissão, quando instada a exigir o cumprimento da decisão pelas Cias de Energia, pouco tem feito em favor das operadoras de telecomunicações;

 

  1. A título de exemplificação, um cliente específico da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados apenas conseguiu que a CPFL aplicasse o preço de referência depois que ingressamos com uma ação de execução da decisão proferida pela Comissão. Mas, em contrapartida, a CPFL ingressou com um pedido para suspender a execução questionando a lisura do título (decisão) proferida pela Comissão. E pior, a CPFL ingressou com outra ação judicial contra a Comissão visando anular todo o processo arbitral. Veja quanto imbróglio uma empresa tem de se submeter para fazer cumprir um direito obtido em decisão arbitral.

 

  1. O novo contrato para as empresas que conseguiram o preço de referência, e precisam formalizar novo instrumento, estão sendo aplicados pelas Cias de Energia com, no máximo, 12 (doze) meses de vigência contratual. Já os contratos sem a aplicação do preço de referência estão sendo aplicados pela Distribuidora de Energia com o prazo de vigência correspondente a 05 (cinco) anos, para evitar que a operadora de telecomunicações, ao longo destes 05 (cinco) anos, discuta o preço de compartilhamento.

 

  1. A Comissão nada tem feito contra as Cias de Energia que se negam deliberadamente a cumprir suas decisões. Não há penalidade contra qualquer das Cias de Energia. O que obviamente tem motivado o descumprimento das decisões pelas Cias de Energia.

 

Diante dos diversos problemas, obstáculos, mudanças de entendimentos e até mesmo atos arbitrários praticados pela Comissão de Resolução de Conflitos, pode se entender que a mesma minimizou ao extremo os efeitos práticos do preço de referência estabelecido na Resolução Conjunta n.º 004/2014. Sendo que, na atualidade, a Comissão se mostra extremamente subserviente à postura da ANEEL, que almeja, acima de tudo, a regularização da ocupação irregular a qualquer custo, sem observar a necessidade de aplicação do preço de referência.

E nesse sentido, na contramão da solução do problema, a Comissão visa agora extirpar ou no mínimo majorar o preço de referência estabelecido na Resolução Conjunta n.º 004/2014, conforme Consulta Pública nº 28/2018, fazendo que o limbo regulatório seja novamente instaurado no setor, assim como ocorreu entre 1997 a 2014.

Diante de todas as dificuldades acima relatadas, no nosso entendimento, outra saída não há senão socorrer diretamente ao Poder Judiciário, através de uma ação judicial com pedido de antecipação de tutela, para que seja efetivamente aplicado o preço de referência, já existindo, inclusive, algumas jurisprudências favoráveis a esta aplicação.

 

Alan Silva Faria
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Advogados Associados
alan@silvavitor.com.br