O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) proferiu recente sentença que inaugura uma nova vertente de entendimento sobre a aplicação de preços mais justos e razoáveis perante os contratos de compartilhamento de infraestrutura pactuados entre empresas de telecomunicações e concessionárias de energia elétrica.
No julgamento, o Juízo reconheceu a aplicação do preço de referência previsto na Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL nº 4/2014, em substituição ao preço abusivo e unilateralmente fixado pela Neoenergia.
A decisão reafirma o caráter normativo das leis e normas regulatórias que disciplinam o setor de compartilhamento de infraestrutura, especialmente a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/1997 – LGT) e a Resolução Conjunta nº 4/2014.
Regulação setorial e acesso não discriminatório à infraestrutura
No julgamento, o Juízo destacou que a relação jurídica decorrente do compartilhamento de postes é expressamente disciplinada pela Lei nº 9.472/1997, a qual assegura às prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo o direito de utilização da infraestrutura pertencente a outros serviços públicos, desde que de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis, nos termos do artigo 73 da LGT.
A sentença enfatizou que a Neoenergia exerce monopólio sobre a infraestrutura de postes, que constitui, na prática, o único meio disponível para que as empresas de telecomunicações possam exercer suas atividades econômicas.
Diante desse cenário, o TJDF ressaltou que o detentor da infraestrutura deve observar rigorosamente as diretrizes legais e regulatórias estabelecidas pelos órgãos competentes, sendo vedada a imposição de condições abusivas ou valores manifestamente desproporcionais às empresas solicitantes.
Controle jurisdicional e limites da discricionariedade
Outro ponto de destaque do julgado foi o reconhecimento do papel do Poder Judiciário no controle da legalidade dos atos praticados no setor regulado. Embora respeitada a discricionariedade técnica dos órgãos administrativos e reguladores, o Juízo assentou que tal discricionariedade não é absoluta, sendo plenamente admissível o controle judicial sempre que evidenciada violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
Conforme consignado na sentença, uma vez reconhecida a força normativa desses princípios constitucionais implícitos, toda conduta administrativa que se revele manifestamente desproporcional ou desarrazoada configura violação à juridicidade, sujeitando-se ao controle jurisdicional.
Ressaltou-se, ainda, que a razoabilidade e a proporcionalidade devem estar necessariamente alinhadas aos critérios técnicos e às normas que regem o setor regulado, sob pena de a vontade do legislador ser suplantada por percepções individuais de justiça.
Preço contratual não se submete à liberdade contratual plena
O Juízo também afastou a aplicação irrestrita dos princípios da liberdade contratual e do pacta sunt servanda, ao reconhecer que a estipulação do preço em contratos de compartilhamento de infraestrutura não ocorre em um ambiente de livre negociação típico do direito civil ou empresarial.
Ao contrário, a decisão destacou que a concessionária detentora da infraestrutura possui poder de mercado suficiente para impor unilateralmente os valores cobrados, circunstância que potencializa a prática de abusos e autoriza a intervenção do Poder Judiciário para o controle da legalidade, sempre que verificada cobrança excessiva ou incompatível com o arcabouço regulatório.
Adoção do preço de referência da Resolução nº 4/2014
Nesse contexto, o TJDF reputou que o critério mais adequado para a solução da controvérsia consiste na adoção do preço de referência atualizado previsto na Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL nº 4/2014, em contraposição ao preço aplicado pela Neoenergia.
A sentença fundamentou essa conclusão em razões técnicas e jurídicas consistentes, destacando que o valor contratual imposto pela concessionária se mostrou manifestamente desproporcional, com variação superior a 100% em relação ao preço de referência, sem que houvesse demonstração concreta e específica dos fatores técnicos ou econômicos que justificassem tal incremento.
O Juízo também ressaltou que a Resolução nº 4/2014 é fruto de amplo e qualificado processo regulatório, desenvolvido de forma coordenada pela ANEEL e pela ANATEL, mediante a realização de consultas públicas e estudos técnicos aprofundados, que analisaram a composição do preço em suas diversas dimensões, considerando a complexidade do setor regulado.
Além disso, a adoção do preço referencial foi considerada plenamente compatível com o disposto no artigo 73 da LGT, que impõe a gestão isonômica e não discriminatória do acesso à infraestrutura, inclusive quanto à remuneração, bem como com as diretrizes que orientam a remuneração das concessionárias de energia elétrica com base em custos e atribuem às agências reguladoras a definição das metodologias aplicáveis.
Precedente e mudança de perspectiva no TJDF
A sentença proferida pelo TJDF evidencia-se como relevante precedente e sinaliza uma mudança de perspectiva do Tribunal sobre a matéria. Até então, a jurisprudência do TJDF não reconhecia a obrigatoriedade de observância do preço regulatório fixado na Resolução Conjunta nº 4/2014 aos contratos de compartilhamento de infraestrutura que impõe preços abusivos e exorbitantes para viabilizar o compartilhamento.
Com esse novo posicionamento, o TJDF passa a adotar uma interpretação mais aderente à lógica regulatória do setor, reconhecendo a centralidade do preço de referência como instrumento de equilíbrio, isonomia e modicidade, o que tende a influenciar futuros julgamentos e consolidar uma nova orientação jurisprudencial sobre os debates judiciais que envolvem compartilhamento de infraestrutura.
Dra. Ianka Alves de Sales
Advogada e Consultora Jurídica
Silva Vitor, Faria & Ribeiro | Sociedade de Advogados