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Os Efeitos da Decisão Cautelar da ANATEL que obriga o Repasse da Redução da Alíquota de ICMS em forma de Desconto na Mensalidade.

By 22 de setembro de 2022fevereiro 26th, 2025No Comments

Belo Horizonte, 22 de setembro de 2022

Como amplamente divulgado pela mídia especializada, no dia 20/09/2022, a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL emitiu decisão cautelar para obrigar as operadoras de telecomunicações, incluindo aquelas “Prestadoras de Pequeno Porte”, a repassar, em forma de desconto na mensalidade dos clientes, a recente redução da alíquota de ICMS incidente sobre os serviços de comunicação.

A respeito da decisão acima mencionada, materializada através do Despacho Decisório nº 1/2022/SCP, é possível extrair a determinação, direcionada às prestadoras de serviços de telecomunicações, de repasse imediato, em favor dos consumidores, da redução das alíquotas de ICMS realizadas pelos Estados após a publicação e vigência da Lei Complementar 194/2022, inclusive retroativamente à vigência efetiva de tal redução.

E não obstante a ANATEL tenha afastado tal obrigação em face das prestadoras de serviços de telecomunicações optantes de regime tributário não impactado pela redução da alíquota de ICMS, como por exemplo as optantes do Simples Nacional, a Agência Nacional especificou que as medidas voltadas para a concessão do desconto devem ser adotadas no prazo máximo de 15 (quinze) dias, sob pena de, em caso de descumprimento, ser aplicada multa de até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais).

Desde logo, é possível constatar que a decisão cautelar emanada pela ANATEL afronta as competências regulatórias autorizadas pela Lei Geral de Telecomunicações, eis que que ao determinar o repasse da redução tributária, a Agência está nitidamente envolvendo-se na definição (imposição) de preços a serem praticados pelas autorizadas à prestação dos serviços de comunicação, o que já é ilegal por si só.

Além disso, tal conduta afronta diretamente o princípio da livre atividade econômica estabelecido no parágrafo único do Art. 170 da Constituição Federal.

E além dos vícios acima destacados, importa observar que a ANATEL, ao determinar a redução dos valores cobrados dos assinantes proporcionalmente à redução da alíquota de ICMS, está tratando genericamente a situação em face de todas as operadoras de telecomunicações, partindo da presunção que todas as operadoras repassaram aos consumidores o ônus financeiro do imposto.

Certo é que em relação ao ICMS, assim como outros impostos indiretos, presume-se que o imposto é suportado pelo tomador do serviço ou destinatário da mercadoria. Todavia, conforme prevê o próprio Código Tributário Nacional, é admissível prova em contrário, ou seja, comprovação no sentido de que o encargo financeiro do imposto não foi transferido a terceiros.

Veja, neste sentido, o Artigo 166 do Código Tributário Nacional, que admite a prova de assunção do encargo financeiro do imposto nas hipóteses de restituição (recolhimento a maior), o que pode também perfeitamente ser aplicado no caso em apreço (redução do imposto):

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

Portanto, a decisão da ANATEL que obriga as operadoras de telecomunicações a conceder descontos na mensalidade em virtude da redução da alíquota de ICMS, acaba por revelar um conceito generalizado, eis que não ressalvou as empresas que assumiram diretamente o encargo financeiro do ICMS (não repassando tal ônus ao cliente), e sequer possibilitou qualquer comprovação das empresas neste sentido.

 Nesse diapasão, a ANATEL desconsiderou inúmeros fatores que, caso comprovados pelas prestadoras de serviços de comunicação, podem afastar o pleito de redução das mensalidades em virtude da redução da alíquota de ICMS.

Apenas a título de exemplo, podemos citar alguns casos práticos que, na nossa visão, são passíveis de demonstrar que a operadora de telecomunicações assumiu diretamente tais encargos, a saber:

 

  1. Comprovação de ausência do repasse do aumento do ICMS quando a prestadora migrou do Simples Nacional para o Lucro Real ou Lucro Presumido, e após esta migração, manteve os mesmos valores cobrados dos assinantes;

 

  1. Comprovação da manutenção do valor da mensalidade mesmo após ultrapassado o prazo de 12 (doze) meses, ou seja, sem a aplicação de reajuste contratual.

 

Na visão da Silva Vitor, Faria & Ribeiro, caso a empresa consiga efetivamente demonstrar a ausência de repasse do ônus financeiro do imposto ao consumidor (ou seja, demonstrar que suportou diretamente tal ônus), é viável discutir judicialmente a medida cautelar, através de uma ação a ser interposta em face da ANATEL, com pedido liminar para suspender imediatamente a cautelar exarada pela Agência.

Por outro lado, caso a empresa entenda que a judicialização não é uma alternativa interessante para este momento, é importante recordar da prerrogativa contratual comumente atribuída às prestadoras e que autoriza a prática de reajuste anual do valor da mensalidade do assinante segundo o índice de recomposição inflacionária previsto em contrato.

Nessa linha, as empresas podem analisar, por exemplo, qual seria o impacto da concessão dos descontos decorrentes da redução da alíquota de ICMS (redução aplicável, obviamente, apenas sobre a parcela dos serviços de telecomunicações) versus o impacto do reajuste do valor da mensalidade nos contratos vigentes há mais de 12 (doze) meses e que permitem a aplicação do índice de recomposição inflacionária.

Apenas a título de exemplo, se considerarmos o índice IGP-M (FGV) acumulado nos últimos 12 (doze) meses (data base: Agosto/2021), nos deparamos com a aplicação de um percentual de reajuste equivalente a 9,3% (nove vírgula três por cento).

Noutra banda, se consideramos que, de um plano de R$ 99,90, o equivalente a 50% (cinquenta por cento) deste contrato é correspondente à prestação dos serviços de telecomunicações (SCM, por exemplo), prestado em Minas Gerais (em que ocorreu a redução da alíquota de 27% para 18%), a eventual aplicação da ordem de repasse do desconto do ICMS resultaria em uma redução da parcela do SCM de R$ 49,95 para R$ 44,47.

Cálculo realizado “por dentro”, conforme metodologia a seguir. Veja passo a passo:

Como visto na tabela acima, após o repasse do desconto decorrente da aplicação da nova alíquota de ICMS, o plano de internet (R$ 99,90) seria reduzido para R$ 94,42.

Outrossim, uma vez aplicado o reajuste anual deste plano pelo IGPM (reajuste equivalente a 9,3%, conforme exemplo acima), a mensalidade seria majorada de R$ 94,42 para R$ 103,20. Hipótese em que, mesmo com o repasse da redução do ICMS ao consumidor, não ocorreria a redução do ticket/mensalidade cobrada do assinante.

Inclusive, é primordial destacar que, caso concretizado o repasse, as empresas devem se atentar quanto a metodologia de cálculo do ICMS “por dentro”, já que, em virtude de expressa determinação legal, o valor dos serviços já deve contemplar, em si mesmos, a carga tributária do ICMS. Vejamos o que prevê o art. 13, § 1º da Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir):

“Art. 13. A base de cálculo do imposto é:

(…)

III – na prestação de serviço de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, o preço do serviço;

(…)

  • Integra a base de cálculo do imposto, inclusive nas hipóteses dos incisos V, IX e X do caput deste artigo:

I – o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle; (…)”

Portanto, caberá à empresa subtrair os valores subjacentes à antiga carga tributária de ICMS para, logo em seguida, dimensionar qual o valor exato do produto sem os efeitos do imposto estadual. Uma vez concluída essa decomposição do preço, as empresas deverão realizar o cálculo necessário para a inclusão do ICMS “por dentro”, segundo a aplicação da nova alíquota.

No quadro explicativo apresentado acima, é demonstrada a realização do cálculo “por dentro”.

Por fim, cabe ressalvar que além da possibilidade de discussão judicial da decisão emanada pela ANATEL, estes Consultores entendem que todos os contratos eventualmente firmados ou renovados após a edição da Lei Complementar 194/2022, por já terem sido presumidamente precificados conforme nova alíquota de ICMS, não se submetem, em hipótese alguma, aos efeitos da decisão contida no Despacho Decisório nº 1/2022/SCP – ANATEL.

 

Theodoro Siqueira Chiacchio de Almeida Barbosa

Advogado e Consultor Jurídico da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados