A CLANDESTINIDADE EM TELECOMUNICAÇÕES E AS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELA RESOLUÇÃO 680/2017 DA ANATEL

23/10/2019

Antes de se adentrar na questão penal, objeto deste artigo, vejamos no que consiste os serviços de telecomunicações definidos pela Lei 9.472 de 1997 – Lei Geral de Telecomunicações:

“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

  • 1.º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.
  • 2.º Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáveis.”

O art. 21, inciso XI, da CR/88, prevê a competência da União para “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.

Como se vê, a Constituição Federal prevê a criação de um órgão para regular os serviços de telecomunicações e outros aspectos institucionais. Assim, por meio da lei 9.472/97 – Lei Geral de Telecomunicações foi criada a Agência Nacional de Telecomunicações, veja:

“Art. 8°. Fica criada a Agência Nacional de Telecomunicações, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, submetida a regime autárquico especial e vinculada ao Ministério das Comunicações, com a função de órgão regulador das telecomunicações, com sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais.

  • 1º A Agência terá como órgão máximo o Conselho Diretor, devendo contar, também, com um Conselho Consultivo, uma Procuradoria, uma Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unidades especializadas incumbidas de diferentes funções.
  • 2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira”.

Logo, compete a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL regular e fiscalizar os serviços de telecomunicações.

Superado o entendimento no que concerne as atividades de telecomunicações e quem é o seu órgão regulador, passamos para análise da questão penal quanto à clandestinidade das empresas de telecomunicações.

Muitas empresas de telecomunicações são indiciadas pelo cometimento da prática de atividade clandestina de telecomunicações, crime descrito no artigo 183 da Lei Geral de Telecomunicações (9.472/97). Muitas vezes, este indiciamento é originário de autuações da Agência Nacional de Telecomunicações, que após constatado o fato comunica às Autoridades Policiais para que seja dado prosseguimento à persecução criminal.

O art. 183 da Lei 9.472/97 (LGT) contém o seguinte tipo penal “Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”, cuja pena é de 02 (dois) a 04 (quatro) anos de detenção, além de multa.

Mas, o que caracteriza desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação?

O parágrafo único do art. 184 diz que: “Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e exploração de satélite”.

Ou seja, considera-se atividade clandestina de telecomunicações empresas que operam às escondidas, sem a necessária concessão, permissão ou autorização da ANATEL.

Com o advento da Resolução 680/2017, de 27 de junho de 2017 da ANATEL, que dentre outras questões aprovou o Regulamento sobre Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita, o Art. 183 da Lei 9.472/97 ganhou uma nova roupagem, pois, entre outras disposições, o referido Regulamento elencou situações de dispensa de autorização para exploração do Serviço de Comunicação Multimídia.

Vejamos o que prevê o Art. 10 A da Resolução 680/2017 da ANATEL:

“Art. 10-A – Independe de autorização a prestação do SCM nos casos em que as redes de telecomunicações de suporte à exploração do serviço utilizarem exclusivamente meios confinados e/ou equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita.

  • 1º – A dispensa prevista no caputaplica-se somente às prestadoras com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço.
  • 2º – A prestadora que fizer uso da dispensa prevista no caputdeverá comunicar previamente à Agência o início de suas atividades em sistema eletrônico próprio da Anatel.
  • 3º – A prestadora que fizer uso da dispensa prevista no caputdeverá atualizar seus dados cadastrais anualmente, até o dia 31 de janeiro, em sistema eletrônico próprio da Anatel.
  • 4º – A dispensa prevista no caputnão exime a prestadora da obrigatoriedade de atendimento das condições, requisitos e deveres estabelecidos na legislação e na regulamentação.
  • 5º – Atingido o limite de acessos em serviço previsto no § 1º, a prestadora terá 60 (sessenta) dias para providenciar a competente outorga para exploração do serviço. (NR)”

A nova Regulamentação dispensa de autorização as prestadoras dos serviços de SCM (Serviços de Comunicação Multimídia) que possuem até 5 mil usuários, leia-se, clientes, e que utilizam exclusivamente de meios confinados e/ou equipamentos de radiação restrita.

Ou seja, a dispensa de autorização trazida pela norma regulamentadora 680/2017 – ANATEL, alterou substancialmente o conceito “clandestinidade”, elementar do tipo penal incriminador descrito no art. 183 da Lei Geral de Telecomunicações (9.472/97).

Ademais, através da referida Resolução, a ANATEL, quando dispensa as empresas de telecomunicações, com até 05 (cinco mil) usuários, que utilizam equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita e/ou meios confinados, da necessidade de obterem autorização para exploração dos serviços, demonstra cabalmente que é impossível a operação de equipamentos de radiação restrita/meios confinados causar qualquer lesão ao setor de telecomunicações.

Corroborando, inclusive, os diversos precedentes jurisprudenciais que reconheceram como insignificante o potencial lesivo de determinadas operações de telecomunicações, o que culminou em absolvições sob o amparo do Princípio da Insignificância.

Assim, conclui-se que o art. 183 da LGT (9.472/97) passou a ser uma norma penal em branco, ou seja, uma norma que precisa de complementação para ser interpretada, uma vez que seu conteúdo, com o advento da referida Resolução, tornou-se incompleto.

Logo, não cabe à fiscalização da ANATEL autuar empresas de telecomunicações por falta de autorização, sobretudo quanto estas se enquadrem nos requisitos de dispensa do Art. 10-A da Resolução 680/2017 da ANATEL, tampouco ser instaurada ação penal pelo crime previsto no art.183 da LGT.

No entanto, conforme prevê o §2º do art. 10-A da resolução, é necessário que as empresas de telecomunicações que se enquadrem nestes requisitos comuniquem previamente à ANATEL o início de suas atividades (cadastramento prévio) e atualizem seus dados cadastrais anualmente, em sistema próprio da agência.

Mas, e como ficam aquelas empresas que se enquadram atualmente nos requisitos de dispensa de outorga, mas que foram autuadas antes da vigência da Resolução 680/2017 da ANATEL, e cujos sócios respondem à ação penal pelo crime de exercer clandestinamente as atividades de telecomunicações (Art. 183, da LGT)?

Na minha visão, e tomando-se por base o exemplo hipotético acima, os sócios devem ser absolvidos, considerando a aplicação da retroatividade da lei penal mais benéfica. É o que prevê o art. 2º do Código Penal “Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória”.

Na mesma linha, o Art. 5.º, inciso XL, da Constituição Federal preceitua que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.

E no mesmo diapasão, a jurisprudência tem sido favorável no sentido da aplicação da retroatividade da lei penal mais benéfica, posto que houve a descriminalização da conduta (art. 183, LGT), com o advento da Resolução 680/2017 da ANATEL, para aquelas empresas que à época dos fatos contavam com até 5 mil usuários e que operavam por meio de equipamentos com radiação restrita e/ou meios confinados.

 Marcela Moraes de Carvalho
Advogada da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados
marcela@silvavitor.com.br

 

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