Os brados libertários que vorazmente exigem mudanças nos regramentos jurídicos pátrio, em especial àqueles de caráter econômico – talvez arrefeçam-se, ainda que momentaneamente, com a edição da Medida Provisória 1.040/2.021[1] (“MP”) pelo Presidente da República, publicada no Diário Oficial da União em 30 de março deste ano.
Em sua breve e superficial exposição de motivos – assim como no conteúdo do texto final, o legislativo busca nos convencer que a MP trará, dentre outros benefícios, a “modernização” do ambiente de negócios do país, desburocratizando e aumentando a competitividade mercadológica – ainda que artificialmente, objetivando melhorar a posição que o Brasil ocupa atualmente no Doing Business[2].
Certamente, as motivações são válidas e há dispositivos que, se bem implementados, poderão trazer benefícios para o nicho comercial brasileiro. De acordo com a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade – SEAC, a MP ora editada seria capaz de impulsionar o Brasil em até 20 posições no ranking mundial e, caso implementada corretamente, seria possível figurarmos entre as 100 melhores economias para se fazer negócios, em curto prazo[3]. Contudo, entre a letra teórica e o campo prático, ainda existe um abismo a ser percorrido.
A MP ora editada, não se limita a tratar de temas comerciais, pelo contrário, nos lança, já em seu objeto (Art. 1º), os diversos escopos que busca disciplinar, vejamos: a simplificação para abertura de empresas; a proteção de acionistas minoritários; a facilitação do comércio exterior; a criação do Sistema Integrado de Recuperação de Ativos – SIRA; a otimização das cobranças realizadas pelos conselhos profissionais; a criação da profissão de tradutor e intérprete público; questões relacionadas à obtenção de eletricidade; e, por fim, a modificação de regras de prescrição intercorrente na Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (“Código Civil Brasileiro”).
Usualmente, quando alterações legislativas se revestem de amplos objetos, estas são apresentadas com textos pouco sofisticados, repleto de lacunas e que, possivelmente, resultarão em conflitos com normas já em vigor. Colacionamos[4], em síntese, as principais modificações trazidas pela MP:
Em virtude do amplo espectro de alterações, trataremos a seguir aquelas que nos parecem mais sensíveis, focadas no Direito Comercial – em decorrência de substanciais alterações na Lei nº. 6.404/76 (“Lei das Sociedades por Ações”) e do próprio Código Civil Brasileiro, transitando competências entre ramos do Direito.
O título da MP (Arts. 5º e 6º) que trata acerca da “proteção de acionistas minoritários” traz relevantes mudanças – principalmente no tocante às companhias de capital aberto.
De início, a MP confere privativamente à Assembleia Geral de Acionistas (“AG”) a deliberação acerca de todas as operações de reorganizações societárias (inciso VIII) assim também para autorizar os administradores a confessarem falência (inciso IX). Em se tratando das companhias abertas, transfere-se privativamente à AG a responsabilidade para deliberar acerca do drop down – quando a alienação ou a contribuição para outra empresa de ativos, que corresponda a mais de 50% do valor total dos ativos da companhia, em observância ao último balanço aprovado; e, ainda, passa a AG a ser o órgão competente, em caráter exclusivo, para deliberar sobre transações com partes relacionadas – cujos critérios de relevância deverão ser determinados pela Comissão de Valores Imobiliários (“CVM”).
Ato contínuo, majorou o prazo de antecedência para a primeira convocação das AG de companhias abertas para 30 dias, frente aos 15 dias como era, permitindo ainda, o adiamento da AG por mais 30 dias, caso documentos de comprovada relevância não tiverem sido disponibilizados aos acionistas (vide implementação da CVM na Resolução 25[5]).
Ainda, a MP tratou de vedar nas companhias abertas a acumulação dos cargos de presidente do conselho de administração e do cargo de diretor presidente ou de principal executivo da companhia (Art. 138, §3º) – entretanto, poderá a CVM excepcionar casos específicos a depender do faturamento de determinadas companhias.
Ao final deste capítulo, a MP altera a sistemática de composição do Conselho de Administração (Art. 140, §§ 1º e 2º), tornando obrigatório, nas companhias abertas, a participação de conselheiros independentes (também sob regulação da CVM).
Frisamos também, outra frente complexa que a MP tratou de contemplar, a respeito do comércio exterior. A partir de agora, será disponibilizado um “guichê único eletrônico” – ainda sem estruturação, para conglomerar o envio de documentos, dados e informações às entidades da administração pública federal direta e indireta. Também, infere-se pela redução de exigências para importações e exportações, com muitas ressalvas e que irá depender do trabalho em conjunto de vários órgãos da administração federal.
Mais um ponto de extrema sensibilidade é a autorização para o Poder Executivo federal, sob governança da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, instituir o SIRA que, resumidamente, tratará de reunir uma base cadastral de patrimônios de pessoas físicas e jurídicas para a recuperação e satisfação de créditos públicos e privados – será regulado (por Ato do Presidente da República): i) as regras e diretrizes para compartilhamento de dados; ii) o procedimento administrativo para o exercício das atividades; iii) a forma de sustentação econômico-financeira do SIRA; dentre outras questões regulamentares.
A ferramenta legislativa, quando em bom uso, é fundamental para incluir, ou atualizar, regramentos jurídicos à valor presente de utilidade, tendo em vista as recorrentes mudanças nos paradigmas comerciais. Entretanto, é preciso entender: as mudanças trazidas por esta MP surtirão efeitos práticos, afastando sua artificialidade e desencontros conceituais? Ou restará por prejudicar esferas tão sensíveis e que padeciam de maiores atenções?
Aquilo que nos parece, por hora, é que se buscou modificações “ao atacado”, de maneira a favorecer (e agradar) uma amplitude maior de supostos beneficiários, sem qualquer foco ou estudo aprofundado. Sem tentar, por outra via, resolver cada questão por vez, entendendo o âmago da situação e promovendo mudanças estruturais realmente eficazes – como, por exemplo, antecipar alterações do sistema tributário e regulamentações de órgãos paralelos.
Finalmente, é notório que as mudanças trazidas pela edição da MP atingem legislações extremamente complexas, cujo processo de construção demandou tempo e discussões profundas. Vejamos, a partir de agora, se os órgãos competentes conseguirão implementar as novas diretrizes em virtude da dinamicidade empresarial, ou se seremos reféns, novamente, de uma letra vazia.
[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Mpv/mpv1040.htm
[2] O Doing Business é uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial, instituição financeira internacional, que verifica o ambiente de negócios nos países em desenvolvimento, com o objetivo de analisar, comparar e verificar o cumprimento das regulamentações aplicáveis às empresas em 190 economias e cidades selecionadas, nos níveis subnacional e regional (https://portugues.doingbusiness.org/pt/doingbusiness).
[3] https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2021/junho/medida-provisoria-sobre-ambiente-de-negocios-avanca-no-congresso-nacional
[4] https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2021/junho/medida-provisoria-sobre-ambiente-de-negocios-avanca-no-congresso-nacional
[5] https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-edita-regra-de-transicao-para-observancia-do-prazo-de-antecedencia-de-convocacao-de-assembleias-gerais#:~:text=A%20Comiss%C3%A3o%20de%20Valores%20Mobili%C3%A1rios,at%C3%A9%2030%2F4%2F2021.
Tiago Rocha Ladeira
Advogado da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados.
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