AS REGRAS DE SUSPENSÃO E RESCISÃO DE CLIENTES INADIMPLENTES DURANTE A PANDEMIA DO COVID 19

31/03/2020

Em que pese a movimentação de alguns Estados ou Municípios na tentativa de impedir os bloqueios dos serviços de internet durante a Pandemia do COVID 19, é importante primeiramente pontuar que os serviços de telecomunicações constituem serviços regulados pela ANATEL, Agência reguladora do Setor, conforme preconiza a Lei n.º 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações).

Além disso, a Constituição Federal é categórica ao estabelecer à União a competência privativa para legislar sobre telecomunicações, senão vejamos:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…)

IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;”

E alguns Estados e Municípios, no desesperado movimento de encontrar fundamentos a embasar legislações estaduais ou distritais envolvendo os serviços de telecomunicações, têm alegado que tais legislações versam sobre a proteção do consumidor ou até mesmo da saúde pública.

Todavia, o próprio Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento da ADI 5725, já afastou tal pretexto dos entes Estaduais e Municipais, reforçando o entendimento que a legislação sobre telecomunicações é matéria privativa da União. Confira, nesta linha, o seguinte trecho do julgamento da referida ADI, sob Relatoria do Ministro Luiz Fux:

Nos termos do artigo 22, IV, da Constituição Federal, a União detém competência legislativa privativa em matéria de telecomunicações. Compete igualmente à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações (artigo 21, XI, da Constituição Federal) (…) Portanto, os Estados-membros não detêm competência para legislar sobre normas aplicáveis aos prestadores de serviços de telecomunicações, ainda que a pretexto de proteger o consumidor ou a saúde dos usuários, pois tal atribuição é privativa da União. Entender de modo contrário, em interpretação alargada da competência concorrente dos Estados-membros para a edição de normas específicas em matéria de consumidor (artigo 24, V e VIII, da Constituição Federal), acabaria por manietar a União dos meios indispensáveis para se desincumbir de sua competência constitucional expressa, frustrando a teleologia dos artigos 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal.” (ADI 5725, Relator(a):  Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 06/12/2018, Processo Eletrônico DJe-271 Divulgação em 17.12.2019 – Publicação em 18.12.2018).

 Ademais, para embasar estes Projetos de Lei totalmente inconstitucionais, os Estados e Municípios têm se apoiado no caráter essencial dos serviços de telecomunicações e internet, essencialidade esta reconhecida pela Lei n.º Lei Federal nº 7.783/1989 e, recentemente, pelo Decreto Federal nº 10.282/2020.

Todavia, o fato dos serviços de telecomunicações e internet serem considerados essenciais, não significa que tais serviços devem ser prestados gratuitamente, ou que tais serviços devem ser mantidos mesmo em situação de inadimplência. Está ocorrendo, na realidade, um aproveitamento oportunista da situação, por determinados Deputados e Vereadores, na tentativa de se promover politicamente.

O próprio Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), no dia 24.03.2020, emitiu uma nota à imprensa no sentido de que a “declaração de serviços de telecomunicações e de Internet como atividades essenciais têm por objetivo tão-somente assegurar sua execução face à eventual adoção das medidas restritivas previstas na Lei n. 13.979/20”.

E que, “nos termos da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n. 9.472, de 16 de julho de 1997), as regras sobre suspensão e cancelamento de serviços em razão do inadimplemento do consumidor permanecem sujeitas às regras estabelecidas pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel e, em particular, ao disposto no Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC, aprovado pela Resolução n. 632, de 7 de março de 2014”.

Portanto, mesmo sendo serviços essenciais, é importante se ter em mente que tais serviços são atribuídos no Brasil à livre iniciativa, que por sua vez, como qualquer atividade empresarial, precisa manter suas receitas e recebimentos para custear suas atividades e investimentos.

De modo que, sem as receitas e os recebimentos usuais, diversas empresas de telecomunicações e internet não terão condições de se manter operacionais, com prejuízo à economia local, à inúmeros postos de trabalho diretos e indiretos, e até mesmo aos clientes adimplentes.

Agrava-se esta situação pelo fato de inúmeras empresas de internet e telecomunicações serem consideradas micro e pequenas empresas (provedores regionais), com baixa disponibilidade de fluxo de caixa e capital de giro. Sendo que são exatamente os provedores regionais que atualmente dominam a distribuição dos serviços de internet no Brasil.

Portanto, ao contrário da tentativa de alguns Municípios e Estados, prevalecem atualmente as regras da ANATEL acerca da suspensão dos serviços, conforme Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC, aprovado pela Resolução ANATEL nº 632/2014, que assim estabelece:

– Depois de transcorrido o prazo de 15 (quinze) dias a contar do recebimento pelo cliente da notificação enviada pela operadora, e caso o cliente permanece inerte quanto a obrigação de pagamento, a operadora poderá suspender parcialmente os serviços contratados. A suspensão parcial, nos serviços de internet, se caracteriza pela redução da velocidade, conforme regras previstas em Contrato.

– Decorridos 30 (trinta) dias da suspensão parcial dos serviços, e caso o cliente permanece inerte quanto a obrigação de pagamento, a operadora poderá realizar a suspensão total dos serviços.

– E decorridos 30 (trinta) dias da suspensão total dos serviços, e caso o cliente permanece inerte quanto a obrigação de pagamento, a operadora poderá realizar a rescisão contratual unilateral por inadimplência do cliente, com o cancelamento do contrato.

– Sendo que, após 07 (sete) dias da rescisão contratual, a operadora poderá inserir o nome do cliente nos sistemas de proteção ao crédito.

Paulo Henrique da Silva Vitor

Advogado e Consultor Jurídico

Sócio fundador da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados