IMPLICAÇÕES DA MP DA LIBERDADE ECONÔMICA PARA EMPRESAS TELECOMUNICAÇÕES

18/09/2019

Aprovada pelo Senado Federal em 21 de agosto de 2018, a Medida Provisória 881 de 2019, também conhecida como MP da Liberdade Econômica e MP do Silêncio, institui a “Declaração de Direitos da Liberdade Econômica”, estabelecendo, de tal forma, normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, dispondo, ainda, sobre a análise de impacto regulatório e o papel do Estado como agente normativo e regulador, conforme disposto no inciso IV do caput do art. 1º, no parágrafo único do art. 170 e no caput do art. 174 da Constituição.

Em outras palavras, a Medida Provisória, ao desburocratizar o ambiente de negócios do país, busca conferir maior liberdade aos particulares envolvidos em atividade econômica e ao mesmo tempo diminui a ingerência do Poder Público na atividade econômica, consignando, assim, hipóteses em que a intervenção do Estado na economia pode ser minimizada ou, até mesmo, dispensada.

Outrossim, em macroanálise, pode-se afirmar que os principais objetivos da MP 881/2019 são: “(a) Auxiliar com efeitos imediatos a recuperação da estagnada economia brasileira, especialmente quando mais de 12 (doze) milhões de cidadãos se encontram desempregados; (b) Garantir que os investimentos em educação e tecnologia tenham resultado efetivo e permanente, afastando o desperdício ou mal aproveitamento de todo seu potencial em reconhecimento à necessidade de valorização e eficiência máxima de cada real dispendido pela Administração nestes tempos de austeridade; (c) Possibilitar que os processos de desestatização e de desenvolvimento do País obtenham o melhor resultado possível para a União, bem como para os Estados, Distrito Federal e Municípios que estão promovendo políticas similares; e (d) Resolver questões concretas de segurança jurídica, sempre sob o amparo da melhor doutrina, com vistas à atração imediata de investimentos, capital e talentos para a nossa República.”

Conforme estabelecido no art. 2º, a redação da MP 881/2019 teve como princípios norteadores a presunção de liberdade no exercício de atividades econômicas, a presunção de boa-fé do particular e a intervenção subsidiária, mínima e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas.

É inegável que o ato normativo aprovado pelo Senado Federal implicará diversas mudanças na rotina dos empreendedores nacionais, cabendo, na oportunidade, destacar três pontos de bastante relevância e seus possíveis reflexos no cotidiano das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações.

O primeiro ponto relevante consiste na dispensa de atos públicos de liberação da atividade econômica, para o desenvolvimento de atividade de baixo risco tal qual previsto no art. 3º, inciso I, da MP da Liberdade Econômica.

A definição do que seria baixo risco para fins de aplicação ou não da MP 881/2019 foi estabelecida na Resolução nº 51 do CGSIM – Comitê Gestor da Rede Nacional de Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios – que classificou as empresas em três categorias, quais sejam: I – baixo risco ou “baixo risco A”; II – médio risco ou “baixo risco B”; e III – alto risco.

Verifica-se, assim, que as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações não se enquadrariam no conceito de atividade econômica de baixo risco, mormente porque o compartilhamento de infraestrutura, utilização de torres de telecomunicações, e a utilização de faixas de domínio, são ínsitos ao desenvolvimento de sua atividade econômica, perpassam questões relativas à segurança e ao meio-ambiente.

Em assim sendo, as prestadoras dos serviços de telecomunicações não estariam dispensadas da obtenção de autorização prévia, isto é, atos públicos de liberação, concedida pelo Poder Público para exercício e desenvolvimento de suas atividades.

O segundo ponto relevante consiste na instituição do direito à aprovação tácita do requerimento formulado pelo particular à Administração Pública, sempre que o órgão público competente não se manifestar no prazo estipulado para a análise do pedido apresentado.

Em termos práticos, significa dizer que se o órgão público competente não atender ao prazo fixado em lei para análise da solicitação apresentada pelo particular, esta será automaticamente deferida, restando convalidada para todos os fins de direito.

Considerando os termos em que foi positivada na MP da Liberdade Econômica, fato é que a aprovação tácita (silêncio positivo) calcada no princípio da presunção de boa-fé do particular não pode ser aplicada às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações novamente por esbarrar nas questões atinentes à segurança e meio-ambiente inerentes ao compartilhamento de infraestrutura, utilização de torres de telecomunicações e utilização de faixas de domínio.

Consigna-se que a Lei Geral das Antenas (Lei nº.: 13.116/2015) já havia tratado dessa questão em seu art. 7º, parágrafo 1º, dispondo, naquela oportunidade, que as licenças necessárias à instalação de infraestrutura de suporte em área urbana seriam expedidas mediante procedimento simplificado no prazo máximo de 60 (sessenta) dias contados da data de apresentação do requerimento.

Fato é, contudo, que a Lei Geral de Antenas aprovada em 2015 carece da devida regulamentação, obstáculo este que será superado pela edição de Decreto Presidencial cuja elaboração está a cargo do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Assim sendo, o silencio positivo em prol das empresas de telecomunicações deverá ser previsto no decreto que regulamentará a Lei Geral das Antenas.

Finalmente, destaca-se o terceiro ponto relevante, qual seja, a prerrogativa de arquivar qualquer documento em microfilme ou meio digital garantida a equiparação de tais documentos à respectiva via física para todos os efeitos legais bem como para a comprovação de qualquer ato de direito público (art. 3º, inciso X, da MP 881/2019).

É possível concluir que a aplicação literal do disposto na MP 881/2019 às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, no que tange ao arquivamento de documentos, encontra óbice na exceção relativa às hipóteses que envolvam questões de segurança.

Nesse sentido, a cópia (em meio digital ou em microfilme) de documentos relativos especialmente ao compartilhamento de infraestrutura e a utilização de faixas de domínio, por exemplo, não poderiam ser equiparadas às vias originais, não produzindo, de tal forma, os mesmos efeitos.

É cabível, contudo, ponderar que a digitalização de alguns documentos, notadamente, os referentes às relações comerciais com clientes (contratos de prestação de serviços firmados com os usuários, por exemplo), poderiam, a princípio, ser arquivados em meio digital ou em microfilme.

Isto porque referidos documentos tratariam meramente da prestação dos serviços em si, é dizer, de relações comerciais de cunho privado, não havendo que se falar, nesse aspecto, em hipóteses que envolvem questões de segurança, seja esta pública, nacional ou sanitária.

Forçoso reconhecer que as questões ora abordadas são complexas, sendo certo que ainda não foram submetidas ao crivo do tempo e/ou da interpretação jurisprudencial integrativa, razão pela qual não é possível afirmar, sem sombra de dúvidas, as suas implicações definitivas no setor das Telecomunicações.

Em assim sendo, nesse momento é possível vislumbrar a fragilidade de quaisquer conclusões terminativas quanto à matéria, e por outro lado é possível afirmar acerca da necessidade da edição de regras mais claras e precisas para que o país possa vivenciar efetivamente o crescimento, desenvolvimento e expansão do setor de Telecomunicações também diante do que prescreve a MP da liberdade econômica.

Rachel Amorim Cohen Persiano
Advogada no escritório Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos – FDMC. Pós-graduanda em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-MG.